31 de mar. de 2011

Sexualidade e educação sexual feminista

Spencer Tunick
Nas próximas postagens do blog MAÇÃS PODRES, estaremos publicando um estudo em que o tema central será “sexualidade e educação sexual feminista”.
O nosso objetivo é retomar alguns destes temas dos campos acadêmicos e ajudar a reintroduzi-lo na militância de modo que se estimule a atuação de feministas, educadores e intelectuais orgânicos em espaços fora do movimento de mulheres, num nível ideológico diferente do que vem sendo aplicado pela “pedagogia liberal”.
Neste sentido, nosso texto se inicia com as bases fundamentais de qualquer educação sexual: explicando as diferenças conceituais que definem o que é “sexo” e o que é “sexualidade”.
Debruçaremo-nos, portanto, sobre afirmação básica de que “todo ambiente social é um espaço sexualizado, contendo assim, todos os conflitos existentes dentro das relações de gênero”, a fim de responder quais são os motivos que levam a necessidade de uma educação sexual feminista para a construção das condições objetivas por nós almejadas.

Sexo ou sexualidade?
“A sexualidade faz parte de nossa conduta.
Ela faz parte da liberdade em nosso usufruto deste mundo”.
(Michel Foucault)

Em grosso modo, quando se fala em sexo, as pessoas se referem às definições genitais (sexo masculino e feminino) ou as diversas práticas do ato sexual, sejam elas para fins de prazer ou reprodutivos. Entretanto, quando usamos o termo sexualidade, queremos nos referir a um conjunto de comportamentos e significados influenciados pelo ambiente sócio-cultural, político, econômico e religioso que atuam e influenciam nas “preferências, predisposições, experiências, experimentações e descobertas sexuais das pessoas durante sua existência”.
A sexualidade é o modo com o qual cada pessoa expressa sua identidade, se comporta, se compreendem e atua dentro do mundo, sofrendo influencia cultural e influenciando o comportamento socialmente das outras pessoas e o sexo é a prática derivada das determinações culturais dadas a sexualidade, sem excluir os parâmetros fisiológicos e reprodutivos que o caracterizam.
Por esta perspectiva, então, se pode afirmar que todo ambiente social é sexualizado e expressa a sexualidade cultural das pessoas, pois em qualquer parte do mundo, espaços sociais foram construídos a partir da dialética nascida das relações de gênero. Existe em toda relação de convívio sociopessoal uma relação de gênero, seja pelas imposições normativas das orientações sexuais (hetero, homo, bi, trans, etc) ou pelas determinações binárias de gênero (mulher e homem).

Todo ambiente é sexualizado

Spencer Tunick
Antes do surgimento do movimento de mulheres, dentro do lar patriarcal, com o respaldo religioso, as tensões sexuais sempre foram fortemente reprimidas para não revelarem os conflitos existentes nas relações de gênero. Como a maioria dos ambientes de trabalho e das instituições de  ensino formais eram quase que exclusivamente ocupados por homens, o máximo que ocorria, era a opressão sexual machista de homens sobre outros homens, o que reforçava ainda mais os valores morais do patriarcado: "o macho mais forte é dominate; esta brigas são coisas de homem".
Com o desenvolvimento do movimento de mulheres, a integração destas dentro dos ambientes de produção capitalista e a instituição de escolas mistas, ficou muito difícil de silenciar por completo estas tensões. Soma-se também o fato que com as mudanças impressas nas últimas três décadas pelos meios de comunicação, o controle da moral familiar sobre o corpo das pessoas perdeu parte de sua força, no mesmo nível que as religiões perderam sua importância para as mídias de massa, no âmbito do doutrinamento comportamental. Porém, isso não significa que hoje a sexualidade seja "livre". Muito pelo contrário. O que se pode afirmar é que os comportamentos sexuais, antes chamados de desviantes, são no máximo mais tolerados. A lógica é quanto maior a repressão tanto maior é o enfrentamento, quanto maior é a abertura menor é o enfrentamento ao opressor.
Como já afirmamos a sexualidade humana é produto de todos os conflitos e contradições existentes numa cultura, tanto nos aspectos históricos quanto nas práticas econômicas e políticas, e é exatamente por isso que a sexualidade é tão controlada dentro de qualquer espaço patriarcal, pois o exercício da sexualidade plena é uma expressão do quanto uma cultura permite que seus indivíduos controlem os rumos de sua própria existência. Se hoje se fala muito em sexualidade, se tem programas de TV com esta temática, se na área da saúde este tema é primordial, principalmente se tratando da adolescência, se nas escolas públicas temos nos PCNs (Parâmetros Curriculares Nacionais) dando alguma ênfase na temática da sexualidade e até em alguns grupos religiosos tocam neste assunto é por conta do surgimento do HIV/AIDS no mundo. E lembramos que o surgimento da AIDS veio imediatamente após a chamada "revolução sexual" promovida pelos movimentos gay e feminista dos anos de 1960/70.
Na realidade, o que está se formou são espaços de discursos sobre a sexualidade, pois quanto mais se fala sobre sexualidade, comportamentos são gerados e um controle mais refinado se cria. Quanto mais pesquisas sobre, fica mais fácil de traçar uma sexualidade “normal” e “anormal” nos seres humanos. Quanto mais se comenta, estuda e confessa, mais detalhes se conseguem. Ou seja, o discurso institucional e mídiático é um refinado mecanismo de controle no qual "falar de sexo torna-se mais uma maneira social de não praticá-lo".
Observem que é nos ambientes de socialização em que a sexualidade mais poderia se expressar são os locais onde há maior repressão: escolas, trabalho e casa. Então, como a sexualidade é o exercício pleno do corpo, como pertencimento do individuo, seu controle significa o controle dos corpos. Nesse caso, o corpo do trabalhador, do aluno e das filhas e filhos que sob as ordens de nossa cultura machista deve pertencer aos patrões, aos professores e aos pais. As únicas expressões sexuais permitidas são a reprodutiva em seus aspectos que desviam para o consumismo. 

Nós MAÇÃS PODRES...
José M G Pereira
acreditamos que se faz preciso novamente quebrar com a tirania da educação sexual que centraliza suas ações em frias aulas de biologia ou em discursos midiáticos que enraízam nos corpos a psicologia do poder. Tentaremos neste estudo encontrar outras possibilidades de discurso capazes de construir instrumentos metodológicos feministas, livres dos preconceitos machistas e minimamente capazes de estimular reflexões nas militâncias, educadores e nas gerações de meninas, meninos e adolescentes que, assim como nós, estão forçadamente sufocados dentro de seus próprios corpos.
Devemos usar as atuais conquistas teóricas do movimento de mulheres e do movimento LGBTT, conquistas que possibilitaram desenvolver a concepção de sexualidade que descrevemos rapidamente acima, no mesmo contexto de intenção política que, nos anos de 1960/70, o movimento de mulheres tentou abraçar.
O tema da “Educação Sexual Feminista” só se caracterizou como um dos mais importantes assuntos a serem discutidos pelas militantes do feminismo pós 1960¹, dado seu poder insurrecional e revolucionário. Que as metodologias libertárias, se é que existem, não se restrinjam aos nichos dos movimentos sociais e aos bastidores burocráticos das universidades, e assim também se libertassem para além dos discursos pragmáticos, rumo aos locais onde os corpos também possam ser libertados.

Texto: Ana Clara Marques e Patrick Monteiro
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Fonte: Desvendando a Sexualidade, de Cesar Aparecido Nunes, 2003

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