7 de set. de 2010

Artemisia Gentileschi: A ARTISTA QUE EXALTOU A MORTE DO PATRIARCADO

Introdução
“A mulher tem que estar nua para entrar no Museu?
Menos de 5% dos artistas na sessão de Arte Moderna
 são mulheres, mas 85% dos nus são femininos”.

(grupo GUERRILLA GIRLS).
A exposição da sexualidade humana tanto pode ser considerada arte como pode não sê-la, sem dúvida este é tema para um belo debate feminista, porém é inegável que a arte, como manifestação humana, expressa em si mesma os conflitos existentes dentro sexualidade humana como um todo.
Nos momentos históricos onde a imagem artística projetou seu auge através do nu masculino, falamos do ocidente, a sexualidade homoerótica era uma prática socialmente aceita, ou então, o autor da obra se identificava com tal orientação sexual, vide as esculturas da Grécia Antiga e as pinturas de Michelangelo.
Excluídos os exemplos que ali se encaixem, é no corpo das mulheres, na exaltação do nu feminino que se concentram as representações plásticas das artes ocidentais. Estimuladas pelo sexo oposto, as pinturas masculinas fizeram do nu feminino a arte que nossos olhos "aceitam" ver.
Em sua esmagadora maioria, a arte produzida é “a arte da segregação sexual”, a arte do contexto social, contexto este que declara o que homens e mulheres devem pintar, quem deve servir de modelo, em quais situações as mulheres (e os homens) devem ser retratadas e quais são as técnicas que permitem fazer com que a obra possa ser considerada “bela” ou de “alto nível”.
A pergunta que nos é pertinente agora, com todos estes fatores adversos, é qual será a real condição de se produzir uma arte genuinamente feminista, sem expressar os dramas esteriotipados de nossa angustiada sexualidade?

Vida de Artemisia Gentileschi

Artemisia Gentileschi foi a primeira mulher aceita pela Academia Del Disegno no período Renascentista. Filha do pintor Orazio Gentileschi, um dos representantes da escola romana de Caravaggio, seus primeiros passos artísticos se situaram, por motivos diversos e a aproximação dos temas era diferente das de seu pai.
Judite e sua serva
1614/20
Por ser mulher, Artemisia não poderia ter acesso às Academias profissionais de Belas Artes. A composição acadêmica era masculina. Dado esta proibição, seu pai a encaminhou a um professor privado, Agostino Tassi, que a estuprou. Na tentativa de impedir que o fato fosse revelado, Tassi prometeu casar-se com ela e graças a essa promessa continuou tendo relações com ela durante alguns meses.
Uma vez tendo sido acusado, Agostino Tassi negou ter se envolvido com Artemisia e conseguiu testemunhos apresentando-a como amante de muitos homens. Durante o processo Artemisia foi intimidada e submetida a um humilhante exame ginecológico e torturada, usando um instrumento que lhe apertava os dedos das mãos, usualmente utilizado na época com aqueles que se considerava em perjúrio. Artemisia então disse que já não era mais “pura” no momento da violência sexual e de ter tido outros amantes. Celestine Bohlen resume o fato e relata o que aconteceu ao acusado:
Aos 17 anos, ela foi estuprada no ateliê de seu pai, em Roma, onde os dois moravam, por um artista, Agostino Tassi, que era pupilo de Orazio e que, um ano mais tarde, viria a ser condenado – a sentença, seu banimento de Roma por cinco anos, nunca foi aplicada. (Jornal do Brasil - Caderno B - 22/02/2002)

Para tentar ser aceita na sociedade, Artemisia se casou e foi morar em Florença. A arte para Artemisia é fundamental para enfrentar a sociedade que a colocou de vítima à culpada.
Jael and Sisera - 1620
A data de alguns dos seus trabalhos mais elogiados permanece controversa. Entre esses inclue-se Judith Beheading Holofernes (em Nápoles e sua última variante no Palácio Uffizi, Florença), a resposta à interpretação canônica de Caravaggio sobre o tema Lucretia (Pagano Collection, Genoa) e Judit and her Maiservant (Galleria Palatina, Florence). Artemisia assinava Lomi, o sobrenome real do seu pai, nos trabalhos florentinos tais como Jael and Sisera (1620, Museum of Fine Arts, Budapest). Grandemente considerada, ela foi aceita como o primeiro elemento feminino na Accademia del Disegno em 1616.
Em 1620 Artemisia escreveu a Cosimo II de Medici informando-lhe sobre a intenção de ir a Roma, e há documentação desse fato em 1621 e novamente entre 1622 e 1626. Em 1627 ela estava em Veneza. Mais tarde radicou-se em Nápoles, onde assinou seu mais antigo trabalho napolitano seguramente datado, The Annunciation (1630, Museo di Capodimonte, Naples). Parece que morou lá até sua morte, em 1651, com exceção de uma temporada na Inglaterra, de 1638 a 1640, para dar assistência ao seu pai já idoso.

...e Arte
Susanna and the Elders - 1622
Com uma vida tão marcada por superações e violentas opressões, Artemisia Gentileschi criou um trabalho repleto de angústias e inquietações, inclusive muito próximas do que foi sua própria vida. Muitos analistas, blogueiros, ou sei lá o quê, poderão dizer que suas pinturas representam uma sede de vingança contra um homem, mas nós Maçãs Podres entendemos que dadas as condições sociais, mais do que um ataque a um homem, a sua arte expressaria um "impulso de sobrevivência". É uma manifestação que se determina pela necessidade de aniquilar algo (sociedade patriarcal) que deseja te destruir/anular.
Apesar de algumas reproduções estigmatizadas da segregação sexual, como a nudez feminina (em oposição a homens cobertos) ou do padrão de beleza (mulheres salientes em oposição a homens musculosos), Artemisia Gentileschi tem sempre outra obra capaz de quebrar tais estigmatizações. Mulheres nada fragilizadas, muitas vezes lutando contra seus opressores masculinos. E mesmo quando ela reproduz os estereótipos sexuais, se faz necessária uma análise contextualizada da pintura.
Um bom exemplo é a obra “Susanna e os Velhos”, nela a nudez feminina expressa toda a exposição pública que Artemisia foi obrigada a se submeter durante o julgamento de estupro.
Na tela, vesse uma opressão (quem sabe paterna/patriarcal) que expõem a figura feminina. O corpo nu  não tende a despertar a libido, mas provoca uma identificação na observadora que conheça sua biografia. Reparem que a expressão do rosto da “Susanna” em nada lembra a vitimização que vemos nas atuais campanhas publicitárias, e sim, uma rejeição ao que lhe é “dito/imposto” ou quem sabe a tal situação.
A obra “Judite decapitando Holofernes” foi retratada por diversos artistas, um deles era Caravaggio. Um pintor ao qual teve grande influência nas obras de Artemisia.
Judith decapitando Holofernes -1612
A Judite na obra de Caravaggio tem uma expressão de culpa, medo e compaixão para com Holofontes e a criada aparece como uma olheira, com um olhar assustado. Ela não toca na faca, apenas segura o pano para cobrir a cabeça.
O quadro pintado pela artista teve grande impacto, não pela quantidade de sangue expressa em todos os outros quadros, mas pela expressão de prazer e raiva com que Judite e a criada decapitam o Holofernes. Em Artemisia, a criada não esta passiva.
Esta obra foi feita exatamente na época em que Artemisia havia feito um casamento arranjado para conseguir se “enquadrar” socialmente, depois de ter passado por diversas formas de violência. Talvez arrancar com "prazer" a cabeça de Holofernes seja o mínimo, para tudo que ela havia passado. Inclusive a não aceitação dentro da academia de belas artes.
Como artista e mulher, Artemisia Gentilesch conheceu a privação do conhecimento técnico e a violação sexual, a nulidade legal das instituições jurídicas, a rejeição pública e as obrigações femininas sociais. Assim, ela teve total capacidade de compreender o significado do que é "ser mulher" e o preço que se paga pra superar esta condição.
Reduzir a temática de sua obra a uma simples vingança, nada mais seria do que outra violação/impedimento a sua real dimensão artística. 
No mundo da arte, e no mundo como um todo, as mulheres, muitas vezes, apenas pintam aquilo que podem pintar. Artemisia não queria pintar aquilo que podia, queria pintar o que era dela. E o que era dela, era dado a todas as mulheres. Ou seja todas as proibições e violações comuns a toda mulher. O que a diferenciou foi exatamente isso. Tudo que ela enfrentou. Foi com a opressão violentíssima que Artemisia conseguiu questionar uma dada realidade sendo pioneira na arte renascentista machista.
Se não é possivel deixar de expressar a sexualidade segregada na arte, ao menos, com este exemplo, já em 1600 era possível produzir uma "arte feminista" fundamentalmente angustiada com os eventos do contexto sexual machista, sem que fosse preciso explorar as imagens da coisificação sexual ou da vitimização passiva, além de engajada contra a opressão dos sexos.

Ana Clara Marques e Patrick Monteiro

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