15 de dez. de 2010

A história da homofobia


site: nadavpontocom
Se os livros de biologia tradicionalmente ainda sustentam a explicação de que o sexo existe na natureza para “gerar descendentes e perpetuar as espécies”, também não é por neutralidade científica.
Se hoje pessoas ainda usam as sexistas pantomimas de Adão e Eva para justificarem regras sociais, isso não ocorre por acaso. E, como lemos no texto sobre "o caso Nassif", isso nem mesmo é uma exclusividade de pessoas limitadas pelos cabrestos religiosos. 
Se um (pseudo) filósofo conhecido como Pondé ainda lança mão de qualquer um destes argumentos férteis no senso comum para argumentar sobre nossa sexualidade ou luta política ou comportamento social, não é por simples ignorância, é por ideologia. 
É fato que a procriação é uma necessidade vital de todos os animais, porém é sabido também que a heteronormatividade não existe na Natureza do mesmo modo que a construímos na sociedade. Sabe-se que os animais superiores, tanto dentro como fora de seu habitat natural, desenvolvem práticas que poderíamos, erroneamente, classificar de “bisexuais”. Porém, até que se prove o contrário, estes são só animais.
O que só pode nos levar a crer que não existe uma “heteronormatividade natural” propagada pelos livros de ciência e falácias religiosas. Que qualquer “explicação” para a sexualidade humana neste sentido é um consciente doutrinamento político ou, no máximo, uma interpretação intoxicada de ideologia machista. Que quaisquer argumentações para exemplificar comportamentos de gênero por esta linha são rançosas de impulso sexista.
Mas por qual motivo então a homossexualidade humana passou a ser considerado um “desvio natural”, uma “degradação moral” e juridicamente descrito e punido como crime? Será que as raízes originais desta prática não estariam também ligadas a primeira opressão de um ser humano pelo outro?
 
 
A homofobia como regra de coesão social
Historicamente, a homofobia se inicia com o intuito de reprimir qualquer relação humana que fosse contrária a consolidação da organização patriarcal primária, na qual “todos” os homens deveriam confirmar o poder reprodutivo do falo.
Segundo Foucault, a homofobia se estruturou em “negar o feminino” e tudo que isso passou a significar dentro do patriarcado,exceto a maternidade. A homofobia seria então uma espécie de sexismo contra a homossexualidade, uma confirmação dos valores de dominação masculinos.
A rejeição da homossexualidade marcava a dominação masculina e organiza uma espécie de vigilância do gênero que institui a virilidade como supremacia ideológica, fazendo da heterossexualidade a representação empírica do "poder natural" dos machos.
Para Daniel Borrillo, o que se manifesta na homofobia é “o objeto da rejeição não do homossexual enquanto individuo, mas da homossexualidade como fenômeno psicológico e social". A homofobia consistiria então em designar um outro homem como contrário, inferior ou anormal, por negar o poder do falo heterossexual. A homofobia seria então uma das mais antigas regras de coesão social usadas para manter o poder patriarcal, onde por violência tentar recolocar o homossexual em seu “devido lugar de macho”.

Os homens como segregadores e produtores de violência coesiva
Nas guerras de expansão estuprar mulheres passou a significava a confirmação da dominação dos territórios. E assim também confirmar o poder masculino, o poder do povo dominador, do acúmulo de propriedades privadas, o poder de um homem sobre outro, o poder sobre os escravos, ou seja, o poder nascido do patriarcado.
A institucionalização do estupro como arma de guerra (que ocorria inclusive em sociedade onde ainda não havia repressão sobre a homossexualidade), ajudou a nortear ainda mais a proibição do comportamento sexual entre homens.
Se não é científico imaginar que as práticas sexuais não-heteronormativas ainda ocorriam durante o processo de transição entre o matriarcado e o patriarcado, dadas as condições históricas do modelo de organização matriarcal, ao menos é lógico chegarmos a tal conclusão, pois se por milhões de anos dormíamos amontoados, sem castrações moralistas e religiosas, se ainda não vivíamos sob as duras leis do Estado Patriarcal e se ainda hoje, em qualquer local do mundo onde homens (ou mulheres) “heterossexuais” não podem ter contato físico com pessoas do outro sexo, é comum ocorra troca sexual entre iguais, por qual motivo não aconteceria a milhares de anos passados?
Assim como ocorreu com as mulheres, segregar homens homossexuais, do convívio dos machos patriarcais, era afastar qualquer lembrança de que o comportamento heterossexual é um doutrinamento social.
No interior do Brasil era comum mandar para a clausura dos seminários, meninos que apresentassem “sinais efeminados". Logo, não podia ser uma desaprovação ao indivíduo, pois este tornar-se-ia padre e representante consagrado da religião patriarcal, mas um doutrinamento e a uma segregação produzida para esconder um comportamento sociossexual que deslegitima a ideologia do poder reprodutor do falo.

A exclusão das mulheres das atividades transformadoras

e relações entre o “feminino”, o “efeminado” e opressão

O parâmetro da força física, ou melhor, da fragilidade durante muito tempo estabeleceu relação com o estereótipo do homem homossexual. Não que tal relação seja uma verdade, porém ela nos revela mais estreitamente a ligação que estabelece a homofobia como negação social do ser feminino e exaltação da organização de trabalho patriarcal.
Não ocorre por acaso então que qualificar um homem de “mulherzinha ou efeminado” significa o mesmo de chamá-lo de gay, esta relação encontra-se enraizada nos modelos de gênero que o patriarcado determina como dominantes, para comportamentos tidos como masculinos, e submissos, para comportamentos determinados como femininos.

A linguagem como produto das relações de classes sociossexuais

Só para comprovar, outra relação bem elucidativa é a coisificação lingüística adotada para designar como "diferentes" os oprimidos.
Termos que rementem animalidade a negros, mulheres, pobres e homossexuais estabelecem relações metafóricas entre a domesticação e a atividade masculina do pastoreio. Algo que confirmaria ideologicamente os valores de dominação da sociedade patriarcal. 
Os animais passam a servirem então de metáfora para agredir as mulheres (“cadela”, “vaca”, “piranha”, “galhinha”), negros (“macaco”), homossexuais (“viado”), pobres (sujo ou "porcos") e crianças (“meu bichinho”).
Isso se faz para lembrar que tais pessoas são como matéria de consumo, ou “inferiores biologicamente”, ou motivo de caça, domesticação, extermínio, objeto de dominação e propriedade privada. Estas são formas inanimadas, não transcendentes, naturais que também fazem com que os cavalheiros nos chamem de “flor” e aos homossexuais de “florzinha” dada a fragilidade.
Todos estes fatores somados nos fazem entender outra coisa, como é comum que amigos nossos gays demonstrem, por palavras ou gestos, certa aversão ao sexo feminino (Basta lembrar o slogan da jornalista Léo Áquila quando foi candidato a vereador por São Paulo em 2008: "Não sou macho, mas sou homem"), numa negativa machista de não serem, de modo algum, classificados com o “outro”, tentando inutilmente se enquadrarem de alguma maneira as exigências sociais do sexismo.

Hipermachismo
Há algumas semanas, acompanhamos estarrecidas as notícias de jovens brancos de classe média (logo, burgueses, produtos da desigualdade econômica patriarcal) que espancaram outro homem com lâmpadas fluorescentes, por conveniente homofobia. Será que estes agressores, que sempre hajem em bando, também não praticam a tradicional ação de agredir verbalmente mulheres nas ruas, como as famigeradas cantadas, para comprovarem sua masculinidade? Agressão físcas e morais a homossexuais ocorrem por que estes são homens, agressões sexuias e verbais ocorrem como mulheres por que estas são mulheres? Será que não existe um ponto de ligação nisso?

Ninguém em sã consciência, por mais que a imprensa tente levar a crer, é estúpido ao ponto de acreditar que este foi um fato isolado. Infelizmente, é uma prática bastante comum nas noites de São Paulo, assim como na maioria das cidades do Brasil e do mundo.
Porém, não por acaso, o lugar do ataque em questão é um conhecido reduto de ações neonazistas. Que também atacam negros e nordestinos. A citada avenida é o centro econômico e financeiro do Brasil, ou seja, centro nevrálgico de todas as contradições de classe brasileiras, por onde a intolerância pulsa como válvula propulsora do crescimento capitalista. A Av. Paulista é a folha da copa da árvore do patriarcado brasileiro. E como o capitalismo é a expressão econômica do machismo, logo a explicação para os fatos devem estar relacionadas a questões de gênero. 

A mídia é a hipermasculinidade

As Maças Podres mais antigas já devem ter lido sobre a “hipermasculinização” (reação masculina propagada na mídia, posterior a crise da masculinidade e opositora a moda da metrossexualidade, que exaltava personagens truculentos e machões nos veículos de massa) em alguns de nossos textos.
Durante o avanço das mulheres nos anos 1980, em especial no mercado de trabalho, se tornou extremamente comum se produzir imagens no cinema e nas novelas de homens super-masculinizados, ultra-musculosos, deliberadamente violentos que viam nos negros, nos latinos, nos japoneses, "bandidos" a serem exterminados. Personagens masculinos que batiam nos rostos de mulheres para "dominá-las" e logo depois transar. Jamais estes personagens demonstravam ter qualquer elemento de feminilidade. Eles eram heróis heterossexuais. Signos de massa da virilidade brutal do patriarcado. Intolerantes com os que consideravam "inimigos".
Nos anos de 1990 e 2000, os principais inimigos dos grandes heróis de ação possuíam requinte, eram educados, pode se dizer até "delicados" em comparação aos tradicionais vilões de filmes de gangster. E não foi nesta mesma época que, em suas maquiavélicas, a mídia tecia varias reportagem sobre os novos homens "metrossexuais" (entendam heteros que assimilaram comportamentos tidos como gays para única e exclusivamente exaltarem sua heterossexualida, já que vivíamos o auge recente da crise da masculinidade)?

Mas qual é mesmo o real motivo para a proibição legal da Homossexualidade?

Em muitos de nossos estudos, debatíamos sobre “qual seria a real razão” inaceitável dos machistas em admitir que outro homem fosse gay? Pensam os homens “como podem abrir mão do poder de macho” - para, digamos, em vocábulos masculinos – “impetrar sua arma sexual em outro igual”?

A medida que mais homossexuais masculinos se assumissem, isso seria o mesmo que aumentar a matéria-prima sexual e exploratória dos homens “seguramente” heterossexuais, afinal “sobrariam mais mulheres” como costumam dizer os machões, não é?
Entretanto, o raciocínio é mais profundo, pois expressa a possibilidade real dos homens poderem abrir mão (e viverem sem) do poder sexual machista, que a milênios eles instituíram.
É neste ponto que nós feministas devemos ficar atentas, pois a pouco saiu no The Register uma matéria que citava a origem da proibição legal de relações homossexuais. Segundo a tal noticia ainda entre os séculos (XII e XIII) o imperador Genghis Khan utilizou de seu poder institucional, decretando pena de morte para quem tivesse relações homoeróticas. O motivo era que Genghis Khan deseja expandir seu império através do aumento da população da Mongólia. Na época a Mongólia possuía cerca de 1,5 milhão de pessoas, contra 100 milhões de seus vizinhos chineses. (E isso nos leva a última questão objetiva deste estudo: a apologia ao estupro de lésbicas que vem ocorrendo na net.)
Heteronormatividade = Violência
 É preciso que entendamos que a repressão da sexualidade e a construção dos gêneros ocorreram com um desenvolvimento histórico  feito de fluxos e refluxos, de ações, consequências e lutas de classe, para só então sucumbirmos em um sistema organizacional ideologicamente racional, onde cada intolerância é necessária para a manutenção de sua estrutura machista. E que estupro e homofobia são violências correlativas e derivadas que se apresentam muitas vezes juntas com a miséria humana, por serem instrumentos de coesão social na garantia de privilégios de classe econômica.
A heteronormatividade garante a maternidade intensiva, a maternidade intensiva garante a exploração da mais-valia (e a manutenção do exército de excluídos raciais) e a homofobia garante a ideologia heteronormativa do patriarcado que sustenta todas as diferenças de classe, principalmente a sexual.
Não haverá mudança para uns, se a mudança não for feita para todas: lésbicas, negras, brancas, pobres, gays e crianças. É por tal motivo que nossos filosofos e professores não mudam as verdades de nossos livros. Assim, por todas as semelhantes diferenças que nos igualam:

Viva o Movimento Feminista!
Patrick Monteiro e Ana Clara Marques
(Grupo Revolucionário de Intervenção Feminista Maçãs Podres)

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O segundo sexo, Simone de Beauvoir;
A Origem da Família, da Propriedade Privada e do Estado, Engels;
Homofobia - história e crítica de um preconceito, Daniel Borrillo;
A história das sexualidades vol. 1, Michel Foucault;
A Pré-História do Sexo: Quatro Milhões de Anos de Cultura Sexual, por Timothy Taylor;
Biological Exuberance - Animal Homosexuality and Natural Diversity - Bruce Bagemihl.

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