11 de jan. de 2011

Liberdade Sexual, Pornografia e Feminismo

cena "O útimo tango em Paris" 

Nas últimas semanas temos recebido comentários e emails questionando (alguns elogiando) o estudo que desenvolvemos sobre pornografia. Agupados eles afirmam em sua maioria que “a crítica ao produto pornô poderia recair num reacionarismo”, que “são a favor da liberdade sexual” ou que “seria possível produzir um pornô não sexista“.
Tal repercussão gerou a necessidade de se elucidar duas questões referentes ao tema: primeiro, por que a pornografia ganhou um status de libertação sexual (que até hoje repercute no consciente coletivo d@s militantes de “esquerda” em geral) e, segundo, por que, em geral, somente para as feminista radicais a pornografia é considerada degradante para as mulheres?
Depois de alguma pesquisa, elaboramos uma pequena serie de texto que oferecem parte das respostas. Neste estudo abordaremos a questão histórica de quando e como a película pornográfica tornou-se uma bandeira de liberdade nos EUA e no Brasil, em que momento o feminismo radical se voltou contra a pornografia, qual é a diferença entre a arte feminista (que usa o corpo e o sexo como forma de manifestação) e o produto porno e, por fim, por que é tido como polêmico ”o feminismo” contrário a pornografia.
Deep Throat e a polêmica da Liberdade Sexual

A movimentação sexual hippe ainda encontravesse no auge. Passava-se apenas três anos de Woodstock, a juventude começava a receber apoio social contra a invasão do Vietnã e os estudos feministas sobre a sexualidade se difundiam pelo mundo, tendo ou o Relatorio Hite ou o Relatório Kensey, como grande influência. Foi quando Frank Sinatra, Truman Capote, Gore Vidal, Johnny Carson, David Letterman, os jornalistas do Washington Post Bob Woodward e Carl Bernstein, o vice-presidente dos EUA, Spiro Agnew, Shirley MacLaine, Susan Brownmiller e Camille Paglia, entra tantas pessoas, decidiram sair de seus lares para assitirem um filme pornô, chamado Deep Throat, nos cinemas.
Era 1972, o ultraconservador Nixon presidia os EUA, estava as vésperas do escândalo Watergate, vendo sua popularidade em baixa, foi então que ele decidiu atirar contra o sucesso que a pornografia vinha fazendo, saindo de locais clandestinos e entrando no circuito comercial. O objetivo era satisfazer os gostos dos eleitores protestantes e manter o apoio dos sectores conservadores da politica local, todos históricamente preocupados com os valores morais da família. Como confirma Fenton Bailey, diretor do documentário “Dentro de Garganta profunda”: “Sexo é sempre usado como uma arma para distrair. Se você não quer que as pessoas pensem sobre as questões importantes, como uma guerra no Oriente Médio, então faça com que todos falem sobre o seio de Janet Jackson”, comparando as estripulias de Bush no Iraque, a política de Nixon no Vietnã.

Bode expiatório
Harry Reems - ator de Garganta Profunda
Depois tentativas frustradas em processar os responsáveis do filme, um bode expiatório foi achado: Harry Reems. Inicialmente contratado para equipe de iluninação, Reems tornou-se o ator princiapal do filme e sob a acusação de “distribuir obscenidade”, foi preso pelo FBI e condenado por cinco anos de prisão. Na época Reems declarou: “sou o primeiro ator americano a ser processado pelo governo federal apenas para aparecer em um filme”. Por sorte, a meca de Hollywood (Jack Nicholson, Gregory Peck e Warren Beatty) se mobilizou para ajuda-lo, pois entenderam que sua condenação constituía-se numa restrição a liberdade de expressão, o que facilitou a revogação da condenação.

O Brasil e a pornografia como voz da liberdade

"O Império dos Sentidos"
Durante toda explosão da pornografia no mundo, o Brasil vivia na censura da ditadura militar. O Ai5 revogava os direitos civis, estabelecia censura previa aos meios de comunicação e estabelecia repressão sobre estudantes, artistas e qualquer movimento social de contestação. A guerrilha se espalhava, a tortura e a delação eram as armas contra o povo.
Diante deste panorama, alguns os mais controversos filmes da recente história do cinema eram produzidos: O último tango em Paris* (1972), Emanuelle (1974), O império dos sentidos** (1976) e Calígula (1979). Em comum, (quase) todos tinham a temática da sexualidade feminina, colocavam os valores morais da família burguesa em cheque ou mostravam a violenta relação de gênero entre casais heterossexuais, além de cenas que até então eram consideradas fora do conceito de “arte séria”. Mas o detalhe importante é que, apesar da grande repercussão mundial, e talvez por isso, todos estes filmes foram censurados no Brasil.
Com a deterioração do poder militar no inicio dos anos de 1980, a censura afrouxa o nó e graças a firmes posicionamentos de figuras ilustres da arte brasileira, estes filmes estrangeiros passam as ser lançados no Brasil, entre os que tiveram maior sucesso de bilheteria está 9/1 semanas de amor, chegando a passar anos em cartaz nos cines de São Paulo.

Conclusão
Manifestação pela liberação do fime
"Je vous salue, Marie" do Godard - 1985
Graças a pantomima política de Nixon e seus asseclas jurídicos (nesta época o dona da revista pornográfica Hustler, Larry Flint, também foi processado), do cinema as publicações impressas, a pornografia passou a receber o status de liberdade de expressão.
Celebridades e populares progressistas encontraram-se mobilizados na luta por impedir que o Estado Norte-Americano invadisse sua intimidade. Alegavam, com respaldo e certeza, que não se pode restringir, por menor que seja, o princípio da liberdade, pois qualquer permissão de revogação deste princípio acabaria por se ampliar para todas as áreas.
No discurso da liberdade de expressão foi introduzida a perspectiva da liberdade individual, já que as pessoas viam a fase áurea do discurso da libertação sexual. A ameaça de se ter a sexualidade invadida por medidas institucionais e politicas, causava receio na juventude burguesa e na intelectualidade americana.
Do mesmo modo, em diferente contexto, no Brasil a efervescência contracultural do mundo, repercutia aqui como uma bomba, e a luta contra todas as proibições representava a luta pela liberdade. Pouco importava sob que condições os materiais pornográficos eram produzidos, o que emanava era o desejo de integrar o Brasil as discussões que ocorriam nas artes pelo mundo e a luta contra o impedimento de se expressar.
No próximo texto estabeleceremos a interface que colocou no mesmo campo de luta as feministas radicais e os fundamentalistas religiosos, o momento em que o movimento feminista percebeu a pornografia não era nada libertadora.
Texto: Ana Clara Marques e Patrick Monteiro 
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* "O último tango em Paris" não contém cenas de sexo explícito;
** "O império dos sentidos" é dito como um filme de arte, com cenas de sexo explicito.

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