31 de dez. de 2009

A IDEOLOGIA DAS DIFERENÇAS ENTRE OS SEXOS

O que é ser mulher, segundo Maçãs Podres
No matriarcado, a realização das atividades transformadoras era desenvolvida tanto pelas fêmeas quanto pelos machos da espécie¹. Foi graças ao trabalho das fêmeas que os seres humanos originaram a atividade agrícola e as atividades artesanais que possibilitaram o armazenamento dos grãos. Estas ações foram as promotoras do fim do nomadismo, eis falamos do primeiro desenvolvimento das forças produtivas a impulsionar uma revolução das técnicas e do conhecimento: a Revolução Neolítica. Sem a escassez alimentar veio a explosão demográfica que gerou as primeiras tribos e vilas primitivas, causando também a necessidade de conquista de novas terras cultiváveis, fortelecendo a propriedade privada e o direito de herança. As guerras de conquista e o comércio possibilitaram a troca de conhecimentos através do intercâmbio dos povos. E os conquistados assumiram os duros trabalhos no campo. A reestruturação social conhecida como patriarcado, instituiu uma condição estrutural inexistente até então: “para que metade da raça humana pudesse gozar do poder de transformação material, a outra metade teve de ser escravizada”. Ou seja, enquanto as fêmeas foram escravizadas as condições de sua natureza e passaram a ter como função social a manutenção da vida através da reprodução da própria vida, coube aos machos a continuidade da espécie humana pela atividade da transformação material.
Em geral, as fêmeas da espécie tinham sido excluídas de qualquer ambiente onde o conhecimento possibilitasse a transformação do mundo exterior. Proibidas de cultivar as ciências, as atividades profissionais de ofício e as artes, (que só se apresentavam como “agradáveis complementos” da educação doméstica, sem jamais tornarem-se alternativa de vida ou de estudo aprofundado, salvo raras exceções) as fêmeas foram mantidas isoladas num calabouço de obscurantismo técnico e intelectual – em especial, as fêmeas das classes dominantes.
Milênios se passaram e a força muscular foi substituida pela tração mecânica dos teares têxteis. Como o avanço da tecnologia industrial, a força e o conhecimento necessário para a operação das máquinas era a de “um aperto de botão”, ou seja, não havia como evitar que as rudes mãos “femininas”, calejadas pelo árduo trabalho doméstico e rural, fossem incapazes de operar os teares, além do que sendo esta atividade uma especialidade inteiramente nova e fragmentada, não existia tanta desigualdade de conhecimento para executá-la entre machos e fêmeas.
Por salários miseráveis, as fêmeas ávidas por “libertação” se lançaram a exploração capitalista e foram reintroduzidas as forças produtivas do desenvolvimento material. Havíamos Voltado a condição de “existo, logo trabalho; trabalho, logo penso; penso, logo sou”. Se antes a exclusão sexual fez com que os machos desenvolvessem as ciências, as artes e as aplicações da vida prática, institucionalizando a expressão política do Estado como representação da lógica “masculina”, fazendo do comércio, da guerra, da religião e das letras expressão do suposto poder do falo; com a revolução industrial surgiram as primeiras pré-condições necessárias para que uma nova reestruturação sexual acontecesse. Ao reterem o conhecimento e controle dos meios de transformação social, os machos tornaram-se “homens”, e ser “Homem” foi instituído como símbolo de humanidade. Isoladas as fêmeas não estabeleciam como o mundo as relações materiais transformadoras, e tornaram-se “mulheres”, presas a condição da natureza reprodutiva.
Podemos dizer que o consciente coletivo das fêmeas havia sucumbido a opressão dos machos não por ideologia somente, mas pelo distanciamento dos bens materiais, do conhecimento tecnológico e dos espaços públicos. Eis que com as fábricas, as fêmeas então deixam de ser “mulheres” apenas e, pouco a pouco, tornam-se “operárias”, “anarquistas”, “comunistas”, para que enfim, construíssem uma nova identidade social: “as feministas”.
Com o surgimento das pílulas contraceptivas, a simbólica possibilidade de que as crianças fêmeas poderiam ser educadas como “inférteis”, ou seja, criadas com os estímulos tipicamente destinados aos machos da espécie, atormentou as mentalidades machistas, culminando na famosa crise da masculinidade.
O mundo masculino perdia rapidamente boa parte de sua identidade. Identidade esta que lhe servia de oposição e contraponto referencial ao machismo. Cabelos cumpridos, uma nova proposta sexual, produções independentes resignificavam os papeis sociais dos machos e fêmeas de nossa espécie. Nas relações de poder, isto significava que a nova identidade “feminista” era no mínimo tão apta ao poder quanto qualquer falo que um macho, por acaso, viesse a carregar por entre as pernas – eis que ambos os sexos encontravam-se minimamente libertos de parte da cultura tradicionalista patriarcal. As fêmeas finalmente tiveram acesso a tecnologia material que lhes possibilitava a superação das determinações naturais. Enfim, a fisiologia do útero que, graças aos sucessivos partos, por milênios limitou as fêmeas dentro deste processo histórico, poderia ser superada ou mantida sobre controle, facilitando o acesso a trabalhos “pesados”. Finalmente a ideologia da diferença entre os sexos poderia ser desmentida na teoria e desmistificada na prática. O “poder do pênis” de semear diversas fêmeas tinha como ser neutralizado. A razão original de sua teórica “superioridade racional” não passava agora de “uma vagina” exposta. Bastava as fêmeas rejeitarem sua identidade de mulher/mãe/esposas e assumirem a identidade humanista do feminismo para que órgão sexual e sexualidade, reprodução e identidade social encontrassem a final seu real significado.
Diante desta concreta possibilidade de libertação, os opressores intensificaram a atuação sexista, utilizando-se do controle dos meios de produção, liquidificaram a imagem do feminismo. Seja em propaganda midiática, em cooptações políticas ou financiamento de estudos que “comprovassem” as diferenças sexuais, os machos da espécie humana conseguiram resfriar a atuação social das fêmeas feministas. Principalmente daquelas fêmeas que pertenciam as classes dominantes, já que as necessidades imediatas por si só já limitam as feministas não-brancas/burguesas. Ao ponto que ser “feminista”, passou de identidade política para uma “esquizofrenia sexual”.
Na prática, as fêmeas da espécie foram novamente escravizadas, porém não como os povos conquistados das antigas guerras, já que nunca houve se quer uma guerra declarada entre os sexos. Na realidade foi a falta de consciência de classe sexual, a ausência de conhecimento cientifico e a exclusão do controle dos meios de produção que promoveu o retrocesso das fêmeas da espécie de feministas para novamente assumirem a identidade de “mulheres”. Assim, “os produtos das cabeças dos homens acabou por se impor novamente sobre nossas próprias cabeças”.
Sem as limitações materiais que nos são impostas, a ideologia das diferenças entre os sexos não teria como se sustentar, pois como simples ideologia, ela se caracteriza por ser um instrumento de dominação que age através do convencimento e o conjunto dos fenômenos que a projetam, elaboram idéias e representações superficiais a respeito de nossa realidade humana que influenciam na construção material de nossa história. Que o sexismo tenha tido sua origem em nosso útero, na economia ou na fantasia, em nada altera a natureza da questão atual, pois parafraseando indigno John Locke: "O que constitui o ‘valor natural’ de uma mulher é a propriedade que ela tem de satisfazer as necessidades ou as conveniências do homem".
É a existência de um conjunto de privilégios miseráveis que torna possível alienar das fêmeas da espécie a consciência de sua real condição. Esta alienação facilita a subjeição aos laços afetivos, a disciplina matrimonial e a obdiência social e de classe econômica, fazendo crer inclusive que a sujeição aos machos constitui-se num status de benefício e prazer.
Sem a consciência de sua condição, nós nos tornamos seres impregnados de idéias e valores dominantes, admitindo a identidade social de mulher e a confundindo com a nossa natureza fisiológica. Desta maneira, vivemos para legitimar a ideologia dos machos, estimulando a manutenção de seu domínio. Mas mesmo que parecesse suficiente acreditar que só a ideologia poderia aprisionar as fêmeas a condição de principal sujeito de dominação humana, esta verdade seria uma verdade reduzida da própria realidade histórica de nosso ser. Se o significado social de “ser mulher” possui uma realidade histórica que se construiu através da exclusão, então, para resolvermos definitivamente a questão do machismo, é necessário estudar qual é enfim “o valor natural das mulheres para os homens”?
Faz-se necessário identificar de fato quais são as tais “necessidades e conveniências masculinas” capazes de nos aprisionar durante tanto tempo ao estado de segundo sexo? Temos que compreender qual é a tal “propriedade” que se tornou tão útil aos machos da espécie, ao ponto deles precisarem tanto justificar uma pretensa “superioridade física”.
Ao menos sabemos que fomos e somos segregadas a um plano secundário da transformação humana, sabemos que nossa “condição de objeto” nos coloca como “fundamentais” no altar das cômodas conveniências sociais masculinas. Sabemos que como “mulheres” somos fundamentais para os “homens”, por eles nos considerarem “inessenciais” como humanidade.
Nós Maçãs Podres entendemos que é necessária a imediata substituição da identidade social “feminina”, designada “mulher”, pela identidade de “feminista”. Estamos cientes que os encargos de tal condição são dolorosos, basta se declarar feminista para que sanções doutrinárias sejam expostas em nossa cara ou xingamentos se façam explícitos contra as fêmeas de nossa espécie. Porém, e por tal motivo, alienadas de nós mesmas, nós acabamos por imaterializar a materialidade de nossa existência. Se continuarmos servindo de antítese ao conceito universal de “homem/humano” jamais iremos superar o postulado que determina “o que é ser mulher”. Jamais as fêmeas de nossa espécie deixaram de representar “a natureza sensual do mundo externo ao homem”, em que sem ela nada se cria.
Provaremos que o enquadramento a representação social do “eterno feminino”, pressupõe alçar-nos ao papel de “coisa eterna”, de um “produto inalienável”, porém de consciência alienada de si mesma. E tal como um produto, uma “coisa inumana”, estaremos sempre na escrava condição de mercadoria que servirá e serve única e exclusivamente para garantir a satisfação das necessidades ou as conveniências da “humanidade”.
A propriedade sobre a consciência (nosso corpo) é de suma importância e interesse para o controle econômico dos machos. Num sentido mais filosófico, perceberemos que a ideologia da diferença entre os sexos propõe muito mais do que o controle masculino das relações de poder entre fêmeas e machos, ela é a representação máxima das relações psicossociais de propriedade privada da existência humana. Representam a simbólica relações de propriedade capitalista sobre os meios de produção.
Nós Maçãs Podres, mais uma vez declaramos que cientes de nossa situação e conscientes de que se ainda não existem as condições materiais pré-necessárias para uma insurreição, o que mais deveria ser feito nós? Sejam quais forem os meios de manifestação, é fundamental neste instante manter vivo o pensamento feminista original para que, se necessário, ajustes sejam feitos pelas futuras gerações, ampliando qualquer probabilidade consciente de luta no futuro. Perder de vista os objetivos finais da filosofia feminista, da luta contra instrumentos primordiais do machismo (o Estado, a Família e a Igreja) é aceitar a possibilidade que o feminismo seria uma luta fadada ao fracasso. Contudo, bastaria que nós fêmeas da espécie fizéssemos uma greve de úteros para que toda “a ideologia do pênis” desmorona-se de seu mitológico altar, e logo os seres humanos conhecidos por “homens” se mostrariam verdadeiramente inimigos cruéis das fêmeas de nossa espécie. Tenhamos nós feministas ou não autodeterminado para isso, qualquer prática neste sentido causara um enfrentamento jamais registrado nem nossa história. Se duvidarem disso, basta testarem na prática. Trabalhem a idéia da greve dos úteros com as fêmeas que se dizem “mulheres” e logo o que antes seriam “um pensamento individual” de poucas “feministas”, passara a ser um motivo existencial coletivo para muitas fêmeas da espécie passem a dizer: eu sou feminista! Só deste modo estaremos mais próximas de nosso objetivo como ser. Viva a insurreição feminista!

¹ - Para o núcleo de estudos de gênero Simone de Beauvoir a espécie humana esta dividida por suas funções biológicas/reprodutivas, porém não é a existência de um pênis ou vagina por entre as pernas que determina se o ser humano é “mulher ou homem”, esta classificação masculino ou feminino é uma construção social. Caso as crianças fêmeas fossem criadas como os machos, apesar de suas funções reprodutivas, estas apresentariam comportamentos tidos como tipicamente masculinos.
Texto: Ana Clara Marques e Patrick Monteiro

3 comentários:

IGN-UP! disse...

Creio que o grande problema é o fato do feminismo não estar chegando até o grande número de mulheres.Para ilustrar um exemplo,basta ver quantos seguidores 3 blogs feministas tem,no caso,o meu,o de vcs e o daquela moça portuguêsa (Adília).Vamos supor que não temos seguidores comuns,soma-se: 15+33+3=51.Só um blog tradicionalmente feminino recheado de futilidades,tem mais de 1000.

Outra coisa é muitos grupos feministas com recursos fecharem-se pra si.Ficam discutindo a problemática entre elas,não divulgam seus trabalhos e muito menos soluções.

Então,inaugurarando o ano,um sugestão: que sejam trabalhadas formas de marcketing para chegar até ás mulheres.Sem o apóio delas,nada será conquistado e vamos continuar sendo um "bando de neuróticas frustradas com homens".

abçs.

GRIF Maçãs Podres - Anonymous disse...

Fechar para si e guardar o conhecimento é um pensamento tão machista e capitalista quanto qualquer outro homem que queira manter as coisas como estão. Grupos que se fecham e não socializam o conhecimento só querem ACUMULAR. E acumular é um pressuposto do capital e do machismo, acumular poder e grana para oprimir o outro. E nessa armadilha não podemos cair, mesmo sendo tentadora para muitos militantes, pois conhecimento é poder.
Portanto grupos "feministas" que se fecham e não trocam de alguma forma o conhecimento com certeza não querem mudança, querem ACUMULAR conhecimento, portanto não são feministas.
É uma realidade que grupos que querem alguma mudança radical não consigam atingir grandes números, está é uma das frustrações de vários grupos, e sabemos o porque disso, a futilidade sobrepõe a realidade. Afinal, todos precisam de anestesias para não exergar a luz, porque dói aos olhos, mas o grande problema é que grande parte das mulheres não estão nem se anestesiando, neste caso a lobotomia é feita em bilhares de mulheres todos os dias.
Nós mulheres precisamos repensar formas de escrever e formas de mostrar a realidade. Talvez usar um pouco da técnica dos “poderosos” facilite a comunicação e algumas maçãs podres vão apodrecendo o restante. Pensar em varias formas de atuar dentro de diversos espaços é uma forma de jogar mais vermes dentro deste grande pomar.
Abraços
Força e dedicação para que isso não se quebre.

IGN-UP! disse...

rsss lobotomia XD!Mas é...eu vou publicar um estudo sobre comoe stas revistas femininas são pra lá de nocivas,acho que até o enviei para vcs,e a função é essa:divulgar o mito da emancipação,que agora eu vejo que é lobotomia!Mas tem um detalhe que ainda não consegui indentificar acausa: a indiferença da brasileira.Muitas vezes ela nem pixa o feminismo,ela o ignora mesmo,pra valer.Pressão de midia,em todas as partes do mundo tem,mas aqui parece que é mais eficiente,não temos no Brasil oposição feminista forte como eu tenho visto em diversos países;até em países mulçumanos.Isso acaba me frustrando mais ainda...

Eu vou tentar divulgar nossos trabalhos em xerox postas em caixas de correio.Não é muita coisa,mas será "alguma coisa".A gente não precisa de recursos caros das grandes mídias para fazer propaganda.

abrçs e que neste ano consigamos dar passos transformadores.