25 de set. de 2010

Sexualidade humana e pornografia industrial

Como feministas, nós Maçãs Podres lembramos que a sexualidade humana reflete o contexto de nossas relações sociais.
Na realidade, o ato sexual deveria expressar o encontro das individualidades humanas. Tanto subjetivamente quanto materialmente. Desde o momento que o sexo deixou de ser apenas um fim reprodutivo, ela passou a expressar um modo com o qual as pessoas se relacionam em nossa sociedade. No sexo as pessoas atingem a união com o outro.
O prazer do contato íntimo, fora dos aspectos biológicos, serve para que venhamos a confirmar nossa materialidade, nossa existência viva, nossa individualidade subjetiva, junto a uma ou mais pessoas. E esta condição só torna-se possível de ocorrer quando, ao nos encontrarmos com o outro, nós nos reconhecemos como diferentes e iguais. Porque estes assim também se assemelhariam a nós.
No entanto, dada a construção social de isolamento sexual e alienação coletiva, o sexo tornou-se um dos objetivos finais das relações humanas, principalmente para os homens, e o que deveria ser um meio em-si, tornou-se um fim por si só.
No sexo o homem vê na mulher um objetivo (penetração) e no orgasmo um recomeço dele mesmo, pois consumado o ato sexual, mais um território foi explorado, mais um troféu foi conquistado, mais uma batalha frente aos outros homens foi vencida e, assim, mais forte e poderosa fica sua masculinidade. Portanto, após o sexo heteronormativo, ele se torna mais homem para a sociedade patriarcal.
O estranho é que para a maioria das mulheres, castradas da sexualidade ativa, o sexo representa um meio de se atingir uma relação afetiva (por favor, excluam qualquer sentimentalismo vulgar e romântico desta leitura). Mesmo que internamente ela veja no sexo uma forma libertária, um meio para quebrar a opressão, publicamente ela estará reafirmando o que não pode ter e ser socialmente, pois ao ceder sexualmente a um homem ela é verdadeiramente invadida, em seu íntimo, na tentativa de “invadir o território dos machos”. Desta maneira, as mulheres caem na armadilha da pseudo liberdade pós-feminista. Justificando as regras de comportamento sexual das mulheres.
É por isso que detectamos que a “pornografia feminista” é um adorno da antiga prisão de ferro em que vivemos. Quando normalmente o sexo torna-se um fim por si só para as mulheres, é porque, comumente, com o sexo, ela já estabeleceu uma relação direta de impessoalidade com o outro.
É neste instante que os fetiches de dominação e submissão se reafirmam no sexo (funk, pornografia e derivados). Devido a dicotomia de gênero das relações de classe sexual, seja pelas instituições familiares, de ofício, de poder institucional ou de dominação, pouco conseguimos estabelecer ações afetivas, de respeito e amizade com outras pessoas. É muito mais fácil observar que nós, mulheres e homens, nos relacionamos a partir de um conjunto de hierarquias de poder que logo são tão impessoais quanto comerciais e consumistas. Capazes de determinarem os diversos posicionamentos de gênero frente a situações de dominação e submissão.
Ao buscarmos a história da pornografia, concluímos que seu consumo e produção sugerem o isolamento sexual existente nas relações de classe do patriarcado. A pornografia manifesta-se como uma expressão hierárquica longínqua que estabelece níveis de poder e de masculinidade e feminilidade, determinando quais são os papeis e as funções sociais de cada um de nós, seres humanos. Tanto na produção das relações sexuais quanto na produção das relações pessoais e coletivas.
Para que estas condições não se tornem completamente insuportáveis para os homens, a prostituição e a pornografia vieram como um mecanismo estrutural instaurado para atenuar e manter a solidão sexual (masculina). Eis que o reflexo funcional e psicossocial dos códigos lingüísticos da pornografia (além de sua condição real e concreta) é de estruturar nas mentes e corpos humanos a concepção de que a sexualidade das mulheres é submissa, e que os comportamentos derivados deste padrão sexual são como produtos de mercado, passíveis de serem consumidos pelos homens. Enquanto homens invadem territórios para efetuar uma falsa função de prazer momentânea, as mulheres são instigadas a manter-se presas na eroticidade da submissão que se encontra impregnada no seu corpo.
Tanto que uma das retóricas utilizadas pelas “porn stars” estadunidenses e européias para defenderem sua “escolha profissional” é que “graças aos filmes pornográficos, elas podem viajar o mundo e ganhar muito dinheiro, fazendo sexo”. E esta não é a mesma retórica das feministas burguesas que defendem apenas a emancipação econômica? Entendam o real significado do discurso das “porn star”: “fugimos do espaço privado, nos tornamos economicamente independente em relação a um homem e libertamos da repressão sexual imposta pela sociedade”.
Para que haja liberdade de alguns no patriarcado, sempre teve que existir escravidão de muitas mulheres e muitos homens. É de diferentes maneiras que o poder aquisitivo (representação do poder do falo) se torna principal parâmetro para definir e submeter a sexualidade humana aos caprichos das elites de classe.  


Texto Ana Clara Marques e Patrick Monteiro

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