24 de fev. de 2010

DIÁLOGOS.com: Ângela Davis

Angela Davis
Feminismo como identidade social
Ângela Davis- "O termo feminismo (no Brasil) é ainda bastante contestado, como também é contestado nos EUA. Há essa resistência ao termo feminismo porque pressupõe-se que se adotem posições vazias. Há posições antimasculinas, anti-homem. Quando feministas brancas formularam pela primeira vez essa noção de direitos das mulheres, elas estavam somente prestando atenção à questão de gênero e não prestavam atenção à questão de raça e de classe.
 E nesse processo elas racializaram gênero como branco e colocaram uma questão de classe como uma classe burguesa, mas as feministas negras argumentaram que você não pode considerar gênero sem considerar também a questão de raça, a questão de classe e a questão de sexualidade. Então isso significa que as mulheres têm de se comprometer a combater o racismo e lutar tanto em prol de mulheres como de homens. Mas, eu descobri que há mulheres ativistas que estão fazendo um trabalho bastante semelhante. Então, nesse sentido, não faz diferença como uma pessoa se identifica. Tem mulheres que estão trabalhando nessas questões de violência contra a mulher, assistindo vítimas dessa violência e, ao mesmo tempo, pensando em formas de se erradicar um fenômeno que é uma pandemia por todo o mundo. São questões que eu acredito que perpassam as fronteiras nacionais. Acredito que ativistas nos EUA podem aprender muito com ativistas aqui do Brasil."
A Mídia como formadora da identidade masculina negra
"Não só os irmãos na rua, mas os irmãos de classe média também estão se identificando com o gangster rappers devido ao volume em que esta música (rap) circula. (Assim) Torna-se possível para o (jovem negro) - não apenas os jovens de classe média, mas também para jovens de classe média branca e os jovens de outras comunidades raciais, se identificarem com a misoginia de rap gangster. Se é esta a abordagem que todos os garotos negros são incentivados a tomar ou decidir tomar. É porque você tem essa classe média em ascensão e você tem os jovens irmãos e irmãs que estão se movendo em direção à esta área corporativa e que são incentivados a fazer disso uma arena. Acho que este é um daqueles momentos em que temos também de falar sobre a deterioração das instituições. Eu não posso realmente culpar um monte de jovens irmãs e irmãos que acreditam que a educação não tem nada para lhes oferecer. Porque, como uma questão de fato, não tem nada para lhes oferecer. Suponha que eles recebem um diploma de ensino médio que é significativo. Que tipo de trabalho está à espera deles? O trabalho que se usou para estar disponível para a classe trabalhadora não está mais lá, como um resultado da desindustrialização da economia. Por isso, muitas vezes jovens negros estão olhando para as economias alternativas. Eles estão olhando para a economia da droga .... as economias que estão indo - que, aparentemente, irá produzir algum tipo de ganho material para eles. Você não pode criticar as pessoas por querer ter uma vida decente ou querer viver decentemente. Embora eu pense que é verdade que há muito a ser feito com relação às idéias que circulam entre os jovens dentro de arenas, como hip hop. Ao mesmo tempo, não podemos esquecer a deterioração das instituições e da influência da estrutura sobre os jovens."

Por um Feminismo mais amplo e radical

"Com o surgimento do movimento de libertação das mulheres no final dos anos sessenta, muitas mulheres negras, inclusive eu, tenderam a se distanciar do movimento feminista de classe média branco. Se branco, os movimentos feministas de classe média tendem a ser racistas e, logo, muitos esforços (movimentos) anti-racistas tendem a ser machista. Tenho chegado à conclusão de que o feminismo não é um movimento monolítico ou uma maneira de pensar. Existem diferentes feminismos e cabe às mulheres e homens que se dizem feministas, determinarem as suas marcas políticas particulares dentro do feminismo. Eu escolhi para definir o feminismo no âmbito radical, uma política socialista que liga as lutas contra a dominação masculina com anti-racistas, anti-práticas homofóbicas. Isto significa que podemos também pensar sobre o nosso passado de formas diferentes também."

Prostituição como uma questão racial e de classe

“Durante o primeiro período do movimento de libertação das mulheres, os problemas mais dramáticos foram a violência sexual e os direitos reprodutivos --- em outras palavras, estupro e aborto. Questões relacionadas com a indústria do sexo foram suscitadas no âmbito dos debates em torno da violência sexual. Por exemplo, houve o debate sobre a lei que proíbe pornografia em Minneapolis, que tendia a dividir muitas feministas em campos opostos a favor e contra a pornografia. A polarização era um desenvolvimento bastante infeliz. Mas ao mesmo tempo, esses debates conduziram a perguntas muito interessantes sobre o que conta como pornografia, abrindo novas formas de pensar e falar sobre sexo e práticas eróticas. A definição de pornografia como algo agressivo, objetificante e violador da autonomia das mulheres e a auto-determinação foi estrategicamente importante, pois permitiu uma distinção entre o que é exploração e desrespeito, por um lado, e o que era a atividade, por outro. Essas discussões lançaram as bases do trabalho para mover o discurso feminista sobre a indústria do sexo fora do quadro vexado da moralidade. Uma das coisas que eu lembro muito bem da minha prisão em Nova York, vinte e sete anos atrás, era que um grande número de trabalhadoras do sexo estavam sempre presas. Durante a minha seis semanas em Nova York na Casa de Detenção da Mulher, fiquei impressionada com o fato de que os juízes eram muito mais susceptíveis de libertar as prostitutas brancas do que negras ou prostitutas porto-riquenhas. Quase noventa por cento das presas --- algumas das quais estavam à espera de julgamento como eu e algumas que estavam cumprindo suas sentenças --- eram mulheres negras. As mulheres falaram muito sobre o racismo que se manifesta de diversas formas no sistema de justiça criminal. Na maioria das vezes elas deveriam ser libertadas em questão de horas. Por causa dos problemas que muitas mulheres enfrentam na tentativa de pagar a fiança, decidimos trabalhar com elas no "mundo livre", organizando um fundo de fiança para estas mulheres. As mulheres do lado de fora da prisão levantaram o dinheiro e nós organizamos as mulheres dentro. Aqueles que aderiram à campanha concordaram em continuar trabalhando com o fundo de fiança do lado de fora, uma vez que sua fiança foi paga pelos fundos obtidos pela organização. E um grande número de trabalhadoras do sexo se envolveram nesta campanha."

Diálogo das Maçãs

Até os dias de hoje, para nós Maçãs Podres, os problemas mais dramáticos e originais da luta feminista continuam sendo os mesmos. Das sufragistas até hoje, o feminismo deve se tornar cada vez mais uma luta unificada pelas várias formas de enfrentamento, por isso concordamos com a Ângela Davis num ponto crucial, o feminismo é uma luta de classe e raça, e portanto é uma luta contra todas as faces do patriarcado: a propriedade privada, o capitalismo, o racismo e toda forma de opressão surgida (e que irá surgir) após o matriarcado (comunismo primitivo). A realidade nos presídios femininos que Angela Davis descreve é atual e muito parecida com toda a estrutura social do Brasil, afinal somos mulheres num mundo machista. Muitas mulheres conservadoras que se posicionam contra a prostituição, assim o fazem por uma questão racial e de classe. Não sendo negras ou não morando fora de mansões ou apartamentos de classe média, acreditam que as prostitutas de rua, negras em sua maioria, escolheram este caminho por sua “degradação moral”. Por tal motivo e outros mais, a sexualidade das mulheres é algo a ser resolvido, pois nosso corpo erótico foi construído a partir do olhar masculino, portanto fetichizado, violentado e desumanizado. A percepção positiva de Angela Davis sobre as novas formas de pensar a sexualidade partindo do debate incansável em relação a pornografia é muito interessante e fundamental para nos entendermos como donas de nos mesmas. Se diariamente nossos corpos são violentados em todas as relações e todos os tipos de mídias, o debate em torno da prostituição, pornografia, erótico e a sexualidade muitas vezes cai no que é tido como "certo e errado", sem perceber que toda estrutura é construída diariamente partindo da moralismo religioso machista, estrutura essa que tem como função primordial dificultar a apropriação do corpo sem culpa por parte das mulheres. Fato que dificulta não só a união entre todas nós como a aceitação e entendimento de temas cruciais como a regulamentação do aborto. A contribuição que o feminismo negro traz para desenvolver o pensamento e a luta feminista é de fundamental importância para se atingir as estruturas patriarcais por completo. O capitalismo fragmenta a causa feminista em vários segmentos, mulheres negras, lésbicas, pobres e transexuais, quando na verdade o feminismo é todas estas mulheres, e de alguns homens inclusive. Sem este desenvolvimento de consciência de classe e raça, o sistema de classe sexual colocará os oprimidos uns contra os outros. Num sistema econômico e racial de classe sexual, a mesma mídia que constrói mulheres dóceis e frágeis também atua sobre os jovens negros hiper masculinizando-os e criando neles a ilusão de que o mundo estaria aberto para todo homem negro que “saiba como tratar uma mulher colocando-a no seu devido lugar.” Os que caem nesta armadilha não percebem que continuam sendo negros numa sociedade feita por e para homens brancos machista, que os usa contra as mesmas mulheres (negras e brancas) que possuem como eles o mesmo inimigo comum: os homens brancos da alta burguesia. De todas as colocações, discordamos apenas de Ângela quando ela aponta não ser importante a “identificar-se socialmente como feminista”. Sem esta identidade corremos o risco de sucumbir ao “feminismo autorizado”, pois a identidade que criamos nasce do processo de luta e também o recria. Mulheres que tem ações feministas sem ter a consciência feminista não contribuirão para a desmistificação do preconceito lançado em cima de nossa causa. Não tendo a identidade feminista acabam por resumir suas ações como questões pontuais, fragmentadas e individualistas. Se os negros não se colocassem como sujeitos de suas ações não criariam as condições fundamentais para a construção de uma comunidade negra. Sem a autodeterminação feminista de se por como sujeito de sua história, a nossa luta correrá o risco de ser só "mais uma luta" e não uma proposta de transformação radical contra toda a sociedade patriarcal. Viva a insurreição feminista!
Ana Clara Marques e Patrick Monteiro
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Os trechos que serviram de base para nosso "diálogo" com a feminista Ângela Davis são de diferentes entrevistas feitas para o jornal baiano “A Tarde”; outra pelo sociólogo e filósofo marxista Herbert Marcuse; e, por fim, uma pela socióloga Siobhan Brooks do movimento feminista lésbico africano.Links para as entrevistas na integra:

2 comentários:

Silas disse...

Muito legal esses trechos de entrevistas com a Angela Davis e seu posterior "Dialogo". Gostei da abordagem classista e racial também.

Os outros textos também são maravilhosos. A cada leitura, sinto quebrar em mim um elo da corrente do senso comum. Obrigado.

Unknown disse...

Angela Davis possui uma trajetória imprescindível dentro do movimento Black Power isto é algo que não se pode negar em nenhuma hipótese.

Mesmo sendo um ícone da luta libertadora, e preciso salientar os desvios revisionistas que Angela Davis, passou a desenvolver após ter sido libertada da prisão.

Quando saiu de seu cárcere Angela, passou a encabeçar uma ramificação dentro dos Black Panthers que defendia uma linha de atuação reformista e mais "paficista". Isso significava em ações concretas realizar o desativação das unidades armadas dos comites de auto-defesa mantidos pelos próprios Panteras,que agiam como forças protetoras dentro das comunidades negras, que enfrentavam as truculências policiais.

O desarmamento do Partido Pantera Negra, facilitou ainda mais o trabalho de repressão desencadeado pelo Estado Norte-americano. Panteras desarmados se tornaram alvos vulneráveis, das manipulações e artimanhas construidas pelo FBI.

Outra fato que marca sua trajetória, foi sua canditadura nas eleições presidenciais americanas de 1980 e 1984 como vice-presidente pelo Partido Comunista. Como pode ser possível uma militante que conhecia bem o funcionamento do sistema socio-político se candidatar a presidência dos EUA?. Logo ela saberia que os comunistas dos Estados Unidos, jamais conseguiriam subir ao poder utilizando o mecanismo eleitoral da republica burguesa que permite que apenas dois partido possam concentrar o poder.


Outro ponto, que merece destaque foi seu apoio velado ao apodrecido e degenerado regime soviético contamidado pelo revisionismo implementado após a morte de Stalin pelo traidor e restaurador do capitalismo na URSS Nikita Kruschev.



Angela Davis tem um espaço que não se pode retirar da história das combatentes revolucionárias, ela manteve a dignidade diferente de outra integrante do Partido Pantera Negra Elaine Brown uma notória informante do FBI infiltrada dentro da estrutura dos Panteras Negras.


Destamos também outras militantes feministas do Party Black Panther tais como Kathleen Cleaver, e também a perseguida política Assata Shakur atualmente exilada em Cuba.