O propagandismo “científico” do machos
“R-evolução Sexual do Amor” chegou à rede Globo de TV, após ser divulgada em diversas publicações da mídia impressa e virtual¹. Não é a Revolução “depravada” dos anos 60 e nem a baseada em mentiras do sentimentalismo religioso: a astrologia do romantismo ocidental, a explicação para o amor aqui é científica. E por causa disso é verdadeira?
Na sexta-feira (05/02/10), a rede Globo exibiu a temática do amor tendo como base uma edição do pseudo-documentário francês chamado “L’ Odyssee de l’ amour”. A emissora de TV aproveitou conceitos da “neurociência” para legitimar os comportamento do "novo homem cordial e sensível" e do mito do amor romântico (tema exposto em http://nucleogenerosb.blogspot.com/2009/07/cordialidade-masculina-as-grades-de.html). O titulo do programa era “A radiografia de uma revolução interna. O que acontece dentro de um corpo apaixonado”. das mais descaradas, a “reportagem” foi baseada nas possíveis reações que ocorrem dentro do corpo feminino/humano quando está apaixonado. Através de imagens tridimensionais, eram mostradas as reações químicas “deste estado interessante”.
Os incríveis “d-efeitos especiais” serviriam para dar veracidade cientifica aos fatos narrados pela voz de Sérgio Chapelin (um homem vestido de repórter, com um timbre de voz grosso e sério, ou seja, totalmente assexuado, assim como é a “ciência”). O modo em que frases e imagens foram costuradas tentava “comprovar” a naturalização dos comportamentos humanos, assim, os mecanismos sociais (no caso, o amor) são possíveis de ser explicados cientificamente graças "aos estudos neurocientíficos", legitimando as diferenças sexuais e abrindo a possibilidade de que seja criada “uma fórmula adequada” de comportamento a ser seguida, sem que existam outras alternativas de relacionamento afetivo, sexual ou social. Estas variações que acabam sendo classificadas “cientificamente” como desvio/anomalia.
Propaganda ideológica ...
Os incríveis “d-efeitos especiais” serviriam para dar veracidade cientifica aos fatos narrados pela voz de Sérgio Chapelin (um homem vestido de repórter, com um timbre de voz grosso e sério, ou seja, totalmente assexuado, assim como é a “ciência”). O modo em que frases e imagens foram costuradas tentava “comprovar” a naturalização dos comportamentos humanos, assim, os mecanismos sociais (no caso, o amor) são possíveis de ser explicados cientificamente graças "aos estudos neurocientíficos", legitimando as diferenças sexuais e abrindo a possibilidade de que seja criada “uma fórmula adequada” de comportamento a ser seguida, sem que existam outras alternativas de relacionamento afetivo, sexual ou social. Estas variações que acabam sendo classificadas “cientificamente” como desvio/anomalia.
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Contudo, sabemos que os sentimentos são passíveis de serem educados, como deixou entender o próprio apresentador durante a "reportagem", pois o atual entendimento do que é o "amor" (relação afetiva e sexual) é fruto de nossa construção sócio-histórica. Duvidamos que a 35 mil anos atrás as relações afetivas se estabelecessem do mesmo modo que nos dias de hoje. Fato negligenciado no programa. Nos vídeos abaixos nós decodificamos algumas das cenas do filmeco francês, manipuladas pela Globo, com legendas e comentários, e o apresentamos para que as feministas se instrumentalizem sobre o caráter e a linguagem das mensagens ideológicas dos grandes meios de comunicação. Porém, antes vamos ponderar um pouco sobre o modo que a imgem da mulher é exposta para a manutenção dos privilégios masculinos.
A religião como mídia peniana
Desde as histórias orais aos escritos e ditas obras de arte, as religiões de origem patriarcal foram o primeiro "instrumento de grande mídia" para a divulgação e manutenção do machismo. Responsáveis secularmente pelas explicações das "coisas do mundo", as religiões traziam preceitos de comportamento moral representados nas imagens e comportamentos de seus "personagens/mitos". A sacralização das mulheres secundarizava sua importância social, estabelecia seu papel de mãe, esposa e cuidadora, além de determinar rígidas punições para as fêmeas que desobedecessem a submissão aos machos.
Para evitar maiores problemas e facilitar o controle psicossocial, a imagem das mulheres foi exposta de maneira dualista e maniqueísta, ou seja, se não são "virgens puras" são representadas como a imagem do "pecado', da "fraqueza de caráter" e das "forças místicas ou demoníacas"².
Para evitar maiores problemas e facilitar o controle psicossocial, a imagem das mulheres foi exposta de maneira dualista e maniqueísta, ou seja, se não são "virgens puras" são representadas como a imagem do "pecado', da "fraqueza de caráter" e das "forças místicas ou demoníacas"².
A Mística Feminina de Betty Friedan
Se as religiões não foram ou são tão bem arquitetadas como as media mass dos dias atuais, os indícios linguísticos ratificam que a indústria do entretenimento/informação surge da evolução das práticas da Igreja Católica no Ocidente, com o protestantismo e o empirismo científico, ou então se inspira no modus operantes do alto clero. Assim, a mística feminina não se resume as religiões, ela é um planejamento político desenvolvido pelo Estado e grandes burgueses para a conservação do machismo, segundo a escritora Betty Friedan. Por exemplo, a mulher estadunidense foi mistificada como mães e esposas, desenvolvendo habilidades apenas para se casar e viver em função dos filhos e do marido. Esta “mobilização social”, posterior ao Crack da Bolsa de 29 e da 2ª Grande Guerra, fez com que as mulheres se sentissem frustradas e desenvolvessem diversos distúrbios psicológicos que oscilavam entre a depressão e o consumismo.
Nós Maçãs Podres, acreditamos ainda que a manutenção da "mística da fragilidade feminina", exemplificada nos "excessivos corpos esguios" das modelos e manequins são reponsáveis pela anorexia nervosa e bulimia, comuns nas fêmeas adolescentes de nossa espécie. E devido a fragmentação das classes sexuais, esta manutenção também atinge os machos de modo inverso, fazendo os garotos sofrerem de um distúrbio comportamental chamado de "vigorexia". Contudo, não é novidade que a indústria da comunicação se utiliza do senso comum, presente no consciente coletivo, para conservar o poder dos machos. Mas sendo a imprensa fruto do racionalismo empirista, a principal arma de sua fundamentação na atualidade é a "neutralidade da ciência", mito já desmistificado por Hilton Japiassu. Entretanto só conhecido dentro dos círculos acadêmicos (faculdades), no quais o povão fica de fora, em especial as mulheres.
O mito da neutralidade científica
Mas como os cientistas chegaram a tais conclusões? Através da ressonância magnética, os cientistas podem ver as reações cerebrais de um tal evento e assim basear suas “verdades ciêntíficas”. Mapeando o corpo internamente, eles enxergam todas as mudanças bioquímicas, ao enxergar o que está acontecendo dentro do corpo, deixam toda a construção social de fora destas mudanças. É uma estratégia utilizada diariamente para manter a sociedade como está. Entretanto existe uma constução social que determina o que nos deve ser fisicamente "mais atraente" ou mesmo como devemos agir em situações de desejo sexual. Se uma super modelo ou um Brad Pitt não tiverem dinheiro para ir a um dentista, seu sorriso desdentado terá menos poder de atração que "o Antônio ou a Lurdes" da esquina. Dada a repressão sexual que ocorre desde a infância, é mais comum as mulheres desviarem seus olhares dos orgão genitais masculinos, se sentirem inibidas diante de cenas eróticas ou acreditarem que a fidelidade é inerente a sua natureza, tudo isso com reações cerebrais bioquímicas capazes de serem captadas. Assim, a “objetividade da ciência” não é nada neutra. Acreditar que o estudo científico seria suficiente para neutralizar os interesses subjetivos dos cientistas é uma tremenda bobagem. Nos é sabido que qualquer escolha (ou "objeto de estudo") encontra-se impregnado de valores e interesses políticos, econômicos e sexuais.
E assim, a "entidade (fálica da) ciência" ...
...é influenciada pelo ser e pelo modo que ele se coloca no mundo, seja na "tentativa" de resolver as mazelas sociais (doenças ou pobreza), na explicação dos fenômenos físicos ou na busca pela superação das condições materiais de uma dada época, não existe neutralidade alguma. Dados os resultados que pretendem ser obtidos e o modo como as "descobertas" são comercializadas ou divulgadas para a população, o único interesse é elaborar verdades absolutas que expliquem como o mundo funciona e deve funcionar. Foi assim que na Idade Medieval, a Igreja Católica manipulava as mentalidades com a fé e é assim com a ciência agora. Impregnada pela dicotomia sexual, a ciência reflete toda a ideologia do sexismo social. E o resultado é que absurdos como "o estudo divulgado pelo Doutor em Psicologia Médica da Universidade do Porto e professor do Mestrado de Sexologia Social da Universidade Lusófona ", vulgo Júlio Guilherme Ferreira Machado Vaz³, são considerados "ciência" e acabam por influenciar as "novas teorias e hipóteses da fálica fé cientifica". Comercializadas nos sites, rádios, tv e jornais, tais "verdades" estão a serviço na mídia peniana em nome do controle social das fêmeas de nossa espécie. Fato denunciado na foto da esquerda (disponibilizado pela Isolda Natividade), que afirma cientificamente "a utilidade e os benefícios cardíacos" dos homens olharem por 10minutos diariamente para os seios femininos. Nos perguntamos se quem olha 5minutos teria a metade dos benefícios? É..., enquanto não rolam os próximos comerciais, as clínicas de cirurgia plástica, os fabricantes de cilicone/cosméticos/roupas, empresas de nudez/pornografia e os machistas em geral agradecem (por tanta ciência)!
O programa:
A radiografia da revolução interna
No programa da Globo, a palavra “amor” entra estrategicamente para dizer que o sexo é “limpo”, heteronormativo, branco e que os comportamentos expostos são “verdades científicas” sobre a sexualidade humana. Nada de sacanagem, é conhecimento “científico puro”.
Como não podia deixar de ser,
a historinha é baseada nos tradicionais contos de fadas, com uma pitadinha de “aventura e comédia” que tentam, em vão, aproximar lhe da realidade. A descrição da moça não poderia ser pior e mais fútil, pois o que mais a destaca é sua beleza física – muito parecida com as imagens de Eva e Afrodite de pinturas famosas, presentes no consciente coletivo. Sua beleza parece ser a arma que lhe fez atrair um noivo bem sucedido. Pelo menos no significado do casamento a Globo foi bem fiel, o noivo apresenta a casa e toda sua decoração, o seu mais confortável presídio, ou seja, o exato significado do “casamento eterno”. O antagonista do noivo é um jovem músico sensível que acaba de se mudar para o edifício em que a “Juliet”- nome sugestivo – mora. Sua fada-madrinha é uma cientista assexuada, um Chapelin de óculos e saia. Mulheres fora do padrão de beleza das princesas são comumente utilizadas em filmes para que a maioria das mulheres que assistem tenha uma personagem com que se identifiquem. Elas representam “as perdedoras, as neuróticas, as melhores amigas”, todas aquelas que devem se conformar com um “destino” nada excepcional no amor e/ou cinematográfico na vida.
No fim das contas,
o programa nos remete as famosas aulas de “sexo” tão esperadas por tod@s as adolescentes na época do ginásio. As alunas e alunos doidos para escutarem sair da boca da professora palavras e demonstrações mais próximas da realidade humana, tod@s com as mãos entre as pernas esperando as famosas cenas de sexo e prazer mostradas na aula de ciências. Aí caímos na realidade, @ professor@ vem com um avental, óculos e um mapa do corpo humano. O corpo vira um monte de nomes científicos e palavrões como trompa de falópio, dopamina, luliberina e vulva que invadem nossos inocentes ouvidos. É desta forma higiênica e “científica” que a mídia fala de amor e sexo nos programas, revistas e artigos científicos. Como disse corretamente Foucault: “manter a sexualidade sob controle é uma forma de controlar o povo”.
Revolução Interna ou Revolução Externa?
Mas não é o amor o tema principal das revistinhas femininas? Por que as revistas “sérias/cientificas” estão trazendo a tona este como tema principal? Se não fosse pelo nome destas revistas, não achariamos que eram as mesmas revistas banais que são direcionadas as mulheres? Mas será que não são? Pois elas afirmam explicar a desordem que o ser humano sofre e pretendem mostrar formas de controlar seus complicadores. Nelas o “amor cientifico” dita as regras e naturalizam as desigualdades. Na verdade baseiam-se sobre do que foi construído socialmente para comprovar cientificamente que o amor seria o feminino e o racional o masculino. Nos "estudos científicos" mostrados no programa, a paixão é algo que bagunça a mente. Não se pensa direito, não se fala corretamente e fica-se a mercê das reações do corpo, como se fossemos marionetes da natureza. Voltamos ao primitivismo, ou seja, novamente retornamos ao estado de naturalmente dominados das forças externas. Tudo isso com o óbvio objetivo da imutabilidade social. E a palavra utilizada para descrever este "evento desordeiro da natureza" é revolução. Tal fato não é coincidência, qualquer manifestação de pessoas, seja por aumento de salário, diminuição de jornada de trabalho para os professores, direitos dos estudantes, reforma agrária pelo MST e etc, é mostrada pelos programas de TV como "baderna, desordem social ou caos", quando na verdade é uma tentativa de revolucionar e esta não é feita ao acaso ou de forma passiva como o tal amor a primeira vista. Mas a única desordem/mudança aceita no mundo atual é a mudança interna do amor romântico, com seu místico poder revolucionário que não altera as condições materiais das massas que, portanto, só atrapalha. A revolução interna do amor poderia ser a mudança radical das relações humanas, assim como a revolução externa seria a mudança radical para as estruturas de poder de classe sexual. Mas a mulher aqui é usada como alvo fácil do amor exposto pela Globo e, pega de surpresa, a “revolução interna” acerta em cheio as mulheres fazendo com que elas derrubem chá, tropeçem, não consigam falar direito e atrapalhem a vida dos homens. E assim, os homens terão de se contentar com o fato de que devem continuar tentando manter a ordem social, mesmo que acabem sendo também atrapalhados pela "revolução interna da mulher", pois por ser natural de nossa espécie, apesar de suas indesejáveis consequências, esta "revolução interna" não atrapalha o desenvolvimento da sociedade, é atraves dela que se confirmam as instituições sociais do casamento e da maternidade. Sem contar a própria "dominação masculina".
Texto: Ana Clara Marques e Patrick Monteiro___________________________________
¹-As revistas Galileu e Época (filiadas a Globo) contém explicações "científicas" sobre o tema em questão nas matérias: "A fórmula do amor", "É verdade essa história de que as mulheres preferem homens comprometidos?", "Porque seu namorado sempre vai olhar disfarçado ao passar por uma mulher atraente?" http://colunas.galileu.globo.com/formuladoamor/category/relacionamento/ ou "Qual é o sexo do seu cérebro?" http://revistaepoca.globo.com/Revista/Epoca/0,,EMI65446-15224,00-QUAL+E+O+SEXO+DO+SEU+CEREBRO.html. Todas fundamentadas em "textos sérios" que podem ser encontrados em sites como: http://www.jornaldaciencia.org.br/Detalhe.jsp?id=33756 ;
²-Lilith, a mulher de Ló e "as bruxas medievais" são fáceis exemplos da mística degradante relacionadas as mulheres nas principais religões patriarcais presentes no Brasil. Para maiores informações de quais são as consequências psicossociais destes representações, leiam: http://nucleogenerosb.blogspot.com/2009/01/os-arqutipos-femininos-e-masculinos-i.html e http://nucleogenerosb.blogspot.com/2009/01/os-arquetipos-femininos-e-masculinos-ii.html.
2 comentários:
}:O eu nunca vou entender a nossa sociedade. promovem uma idéia sobre o sexo por um lado enquanto mantém a falta de educação sexual [e sentimental], mantém as proibições e os tabus, mantém a visão judaico-cristã de pecado. e quando a violencia sexual ocorre, ninguem assume a culpa. vendem uma idéia asséptica do sexo, impingem padrões e modelos, mas o sexo [e o amor] está além dessas teorizações humanas falhas.
Bom,justiça seja feita...o texto merece mais do que um elogio.
Só para complementar,pesquisas sérias que denunciam os danos da violência da prostituição e da industria pornográfica nas mulheres e as consequências psicológicas graves que as meninas sofrem ao serem expostas á vulgarização da mulher(o relatório do APA,Associação Americana de Psicologia),são banidas da mídia.Eu coloquei algumas lá no blog,o problema é que são em inglês e muito extensas,mas valem a pena.As que falam sobre a pronografia e prostituição tem relatos assustadores de crueldade,que colocam no chão toda e quaquer dúvida sobre este "ofício",e que provalvelmente colocaraisa as mulheres para pensar que amor é esse que os homens dizem que sentem por nós.
Existe uma ciência séria que desmintifica a naturalização da dominação masculina e denuncia sua crueldade.Ela é "clandestina" e feita por feministas de todo o mundo (aqui eu posso citar os trabalhos da Tania Navarro Swain),mas o forte mesmo é a Europa,Eua e Austrália,por isso que os "cientistas" de lá não perdem tempo em contra-atacar as desmintificações feitas pelas feministas com estas pesquisinhas de relacionamento.Se não me engano,a Inglaterra é quem mais que mais produz este tipo de "ciência".
Ah,o blog do verme(rss XD!)está com o link quebrado.
E Beto,a questão nesta estória toda é o machismo,é nossa opressão.O texto deixa bem claro que todos estes tabus,falhas,traumas,etc,são construídos na nossa opressão sexual.O "pecado" só existe para nós mulheres,se não fosse assim,estas religiões não fechariam os olhos para prostituição e adultério masculino(os abusos graves aos nossos corpos ao longo da História sempre foram legitimados pelas religiões,e depois elas pregam com hipocrisia que pecado é prejudicar um semelhante).Então,as "teorizações humanas falhas" nada mais são do que construções patriarcais de amor e sexualidade.Espero que não veja isso como uma afronta,mas procure tentar ver estas questões de sexo e amor sob nosso ãngulo,não sobre o ângulo que a "filosofia" e a "ciência" como aqui citada,quer que todos vejam.
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