Por tudo que já foi dito, e de tudo que seja possível ainda afirmar, a única certeza que se possa ter sobre o caso da Eliza Samúdio, é que nele (possivelmente em vários outros) não houve nenhuma aplicação da lei Mª da Penha. Nós perguntamos, por quê?
Segundo a delegada, nenhuma ação foi procedida porque a intenção era evitar a “banalização de sua aplicação”.
Ao que parece da declaração, a denúncia de Eliza foi não enquadrada como violência doméstica por que a jovem não vivia em domicílio junto ao acusado. A outra hipótese seria de que a relação não foi tida como “estável”, ou seja, não haveria um “vínculo” emocional (entendam: “familiar”).
Entretanto analisando a lei 11.340, no Art. 5.º, III, vemos que suas disposições gerais afirmam que esta deva ser aplicada “em qualquer (caso de) relação íntima de afeto, na qual o agressor conviva ou tenha convivido com a ofendida, independentemente de coabitação”.
Só possível questinar a aplicação da lei neste caso, se questionarmos o quê seja uma “relação íntima de afeto”? e se sexo pode ou não uma “relação íntima de afeto”? Mas, com certeza e em outras palavras, no texto do Art. 5, a violência doméstica/familiar não exige que o agressor venha a morar junto da agredida ou que exista uma “relação estável”, como era o caso de Eliza e Bruno. Ao que nos parece, muito mais importante é dar ênfase ao termo “violência familiar/doméstica” do que a aplicação da lei ou coibição da violência em si.
Outro exemplo de “erro” está no fato do Art. 12, que se refere ao atendimento das autoridades policiais e seus procedimentos “determinar que se procedam todos os exames de corpo de delito e a requisição de outros exames periciais necessários, além de ouvir o agressor e as testemunhas”. E mais, no momento que forem “colhidas todas as provas que servirem para o esclarecimento do fato e de suas circunstâncias, remeter em 48 (quarenta e oito) horas o pedido ao juiz, para a concessão de medidas protetivas de urgência”.
Contudo, a infeliz omissão da delegada tornou impossível a conclusão do exame de urina, coletado a oito meses atrás. E assim, a responsabilidade do Estado neste caso é grande.
A omissão a lei reflete a negligência das autoridades policiais e do Estado, já que a Lei Maria da Penha estabelece constante capacitação sobre o tema gênero e raça ou etnia, diante dos casos de violência contra a mulher.
Deveria ser função das instituições governamentais eliminarem com todas as formas de violências, inclusive as discriminatórias. Supomos que foi a visão moralista da delegada, de que só devem ser protegidas as ditas “mulheres honestas”, quem em parte possibilitou as ações seguintes que culminaram no sequestro e morte de Eliza.
O despreparo é objetivado quando feita a denúncia de coação, espancamento e tentativa forçada de aborto por Eliza, nada foi aprofundado.
Como o filho a ser abortado era de uma jovem não casada, com o acusado, “quem sabe esta seja uma mulher tentando dar o golpe da barriga”, pode ter pensado a delegada. Se for isso, lamentamos muito mais pelo fato da autoridade ser uma mulher como Eliza.
É pior ainda se pensarmos que, no exercício de defesa de seu patrimônio, Bruno restabeleceu-se a lei moral do “Pátrio Poder Romano”, exigindo o direito que as mulheres não possuem, o direito sobre seu próprio corpo.
E quem sabe, como foi por vontade do suposto pai, não houve “motivo” para a polícia seguir a investigação de violência contra Eliza e porte de substância ilegal, no caso a medicação que Eliza disse ter sido obrigada a tomar.
Contrariando as disposições preliminares da lei 11.340 que afirma que “Toda mulher (…) goza dos direitos fundamentais inerentes a pessoa humana”, independentemente de quem seja, Eliza Samúdio tornou-se então “mulher”, cumprindo a via de mendicância da pensão alimentícia, da violência psicológica, da desresponsabilização paterna pelas crias e da negligência das autoridades frente as questões de gênero.
A conclusão fundamental neste caso é que a lei Maria da Penha foi banalizada porque não foi aplicada. Como boa parte da sociedade, a delegada elencou critérios morais para justificar sua omissão com o caso. E a consequência de sua omissão foi a reafirmação banal do espetáculo da violência, em que morre outra mulher.
Texto: Ana Clara Marques e Patrick Monteiro
Segundo a delegada, nenhuma ação foi procedida porque a intenção era evitar a “banalização de sua aplicação”.
Ao que parece da declaração, a denúncia de Eliza foi não enquadrada como violência doméstica por que a jovem não vivia em domicílio junto ao acusado. A outra hipótese seria de que a relação não foi tida como “estável”, ou seja, não haveria um “vínculo” emocional (entendam: “familiar”).
Entretanto analisando a lei 11.340, no Art. 5.º, III, vemos que suas disposições gerais afirmam que esta deva ser aplicada “em qualquer (caso de) relação íntima de afeto, na qual o agressor conviva ou tenha convivido com a ofendida, independentemente de coabitação”.
Só possível questinar a aplicação da lei neste caso, se questionarmos o quê seja uma “relação íntima de afeto”? e se sexo pode ou não uma “relação íntima de afeto”? Mas, com certeza e em outras palavras, no texto do Art. 5, a violência doméstica/familiar não exige que o agressor venha a morar junto da agredida ou que exista uma “relação estável”, como era o caso de Eliza e Bruno. Ao que nos parece, muito mais importante é dar ênfase ao termo “violência familiar/doméstica” do que a aplicação da lei ou coibição da violência em si.
Outro exemplo de “erro” está no fato do Art. 12, que se refere ao atendimento das autoridades policiais e seus procedimentos “determinar que se procedam todos os exames de corpo de delito e a requisição de outros exames periciais necessários, além de ouvir o agressor e as testemunhas”. E mais, no momento que forem “colhidas todas as provas que servirem para o esclarecimento do fato e de suas circunstâncias, remeter em 48 (quarenta e oito) horas o pedido ao juiz, para a concessão de medidas protetivas de urgência”.
Contudo, a infeliz omissão da delegada tornou impossível a conclusão do exame de urina, coletado a oito meses atrás. E assim, a responsabilidade do Estado neste caso é grande.
A omissão a lei reflete a negligência das autoridades policiais e do Estado, já que a Lei Maria da Penha estabelece constante capacitação sobre o tema gênero e raça ou etnia, diante dos casos de violência contra a mulher.
Deveria ser função das instituições governamentais eliminarem com todas as formas de violências, inclusive as discriminatórias. Supomos que foi a visão moralista da delegada, de que só devem ser protegidas as ditas “mulheres honestas”, quem em parte possibilitou as ações seguintes que culminaram no sequestro e morte de Eliza.
O despreparo é objetivado quando feita a denúncia de coação, espancamento e tentativa forçada de aborto por Eliza, nada foi aprofundado.
Como o filho a ser abortado era de uma jovem não casada, com o acusado, “quem sabe esta seja uma mulher tentando dar o golpe da barriga”, pode ter pensado a delegada. Se for isso, lamentamos muito mais pelo fato da autoridade ser uma mulher como Eliza.
É pior ainda se pensarmos que, no exercício de defesa de seu patrimônio, Bruno restabeleceu-se a lei moral do “Pátrio Poder Romano”, exigindo o direito que as mulheres não possuem, o direito sobre seu próprio corpo.
E quem sabe, como foi por vontade do suposto pai, não houve “motivo” para a polícia seguir a investigação de violência contra Eliza e porte de substância ilegal, no caso a medicação que Eliza disse ter sido obrigada a tomar.
Contrariando as disposições preliminares da lei 11.340 que afirma que “Toda mulher (…) goza dos direitos fundamentais inerentes a pessoa humana”, independentemente de quem seja, Eliza Samúdio tornou-se então “mulher”, cumprindo a via de mendicância da pensão alimentícia, da violência psicológica, da desresponsabilização paterna pelas crias e da negligência das autoridades frente as questões de gênero.
A conclusão fundamental neste caso é que a lei Maria da Penha foi banalizada porque não foi aplicada. Como boa parte da sociedade, a delegada elencou critérios morais para justificar sua omissão com o caso. E a consequência de sua omissão foi a reafirmação banal do espetáculo da violência, em que morre outra mulher.
Texto: Ana Clara Marques e Patrick Monteiro
Um comentário:
Sobre esse caso, não deixem de ler "sou atriz pornô e daí?": http://contardocalligaris.blogspot.com/2010/07/eu-sou-atriz-porno-e-dai.html O blog tá ótimo. Um beijo Marília Ortiz
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