"Como lembra Ivone (Gebara), os padrões de beleza estão sujeitos as leis de mercado, ao lucro e aos conflitos étnicos. Mesmo com o aumento de grupos nos movimentos negros, ou de teologia negra, ainda estamos longe de nos sentir à vontade neste mundo, neste país, nas religiões." - Eliad Dias dos Santos
Apesar de ateias, temos um relacionamento feminista com as militantes da CATÓLICAS PELO DIREITO DE DECIDIR. Graças a isso, fomos convidadas a participar do lançamento do livro "Religiões em diálogo: Violência contra as Mulheres", no início deste mês.
O livro estabelece um conjunto de análises feitas por mulheres e homens representantes de diversas religiões. Do budismo as matrizes africanas, passando pelos "cristianismos", um panorama pessoal e coletivo é apresentado pelas autoras dos textos, estabelecendo parâmetros de debate sobre a multi-religiosidade a fim de estimular reflexões capazes de possibilitarem ações práticas contra a violência.
Segue abaixo uma das reflexões do livro, escrita por Marga J. Stroher (Doutora em Teologia e profa. do Programa Gênero&Religião):
"(...)no caso de estupro, é comum colocar a culpa nas mulheres, como se elas o tivessem provocado, fazendo prevalecer assim a imagem da mulher sedutora (Eva), que corrompe o homem para o pecado e o mau caminho. Com a imposição desta visão, os homens acabam isentados de seus atos, obscurecendo-se a responsabilidade que têm sobre eles."
Nos dias 21 e 22 de agosto participamos do curso de Ação Direta Não-Violenta. O curso consistiu em como se manifestar de forma organizada, objetiva e não-violenta. O foco da não-violência é tanto sensibilizar o público como também proteger os manifestantes. Foram passada técnicas autodefesa, bloqueio, dinâmicas de integração e debates do que é ou não é um ato de violência.
No primeiro dia a reflexão foi relacionada mais sobre os tipos de violência, e como o uso da "violência" em manifestações públicas nem sempre é negativo, além do que seria uma ação direta não-violenta.
No segundo dia, as dinâmicas foram focadas em torno de como criar confiança no grupo, e como uma ação direta só pode ser realizada em consenso com às decisões tomadas pelo coletivo.
Nossa atuação foi limitada, diferentes de outras oportunidades, pois fomos com o objetivo de aprimorar nossos conhecimentos na maneira de atuar diretamente em forma de manifesto.
A atividade foi desenvolvida no Ativismo ABC – Casa da Largatixa Preta e ministrada por uma integrante do Movimento Anti Militarista do Chile. Havia pessoas de alguns espaços, algumas de São Paulo, Rio de Janeiro, Curitiba e residentes.
A atividade rendeu amizades, alianças e uma intervenção realizada na Praça da República, em São Paulo, por duas mulheres do Grupo de Teatro de Operações, nós Maçãs Podres, além de outr@s integrantes do curso.
Intervenção Urbana Teatral
A intervenção mexia com vários símbolos religiosos e culturais. E as reações do público foram diversas. Notamos que as mulheres se sentiam incomodadas e passavam rápido. Apenas algumas travestis ficaram até o final. Uma moça negra ficou tirando algumas fotos. De resto, ao notarem o desenvolvimento da performance, quando muito, passavam rápido e faziam comentários de que seria um ritual de matriz africana ou "alguma coisa assim". Ponderamos como é complexa a nossa relação com a sexualidade, com o corpo, com as diferenças étnicas e com as atuações feitas por mulheres para as outras mulheres. Entendemos que a história da opressão é longa e marcada no consciente coletivo das fêmeas de nossa especie e longo será também o tempo para se consiguir superar tal condição. Porém, (ainda) assim caminham as femininstas...
Foto: Ana Luiza - Quintal Orgânico |
Voltando a intervenção, desde o início a grande parte do público que ficou até o final era masculino. Quem sabem seja por ter sido uma exposição num espaço público e aberto, onde os homens sentiram-se mais "a vontade" com a "chocante" proposta performática? Ainda assim, notamos a apreensão de alguns destes pelo fato da vestimenta ser "ousada" e durante a queima dos tecidos que cobriam os seios das performers (algo que muito lembrou a suposta queima dos sutiãs de 68).
Um exemplo "interessante" de reação foi no bar de onde as atrizes sairam. Os homens ficaram espantados com a inautorizada aparição, foi como se não acreditassem no que viam. Segundo uma das colegas que deu suporte na intervenção (Quintal Orgânico), "parecia que eles derrubariam o balcão do bar na busca de olhar as atrizes com tamanho espanto".
Em outro momento um jovem se aproximou de uma das atrizes, mas com a nossa “proteção”, com as câmeras, ele ao perceber que era filmado e fotografado, ficou intimidado e continuou sem incomodá-las. Fora isso, nem gritos, nem palavrões ou assobios, os homens apenas olhavam curiosos, por vezes desejosos, e também estuperfados.
No final, logo após a dança, as atrizes cobriram o corpo e destribuiram trigo e alecrim. Um dos comentários masculinos é que ele iria embora porque elas haviam coberto os seios. Foi dito a ele que o objetivo não era despertar o desejo sexual. Resiginado, ele perguntou "qual seria o sentido?". Foi-lhe dito para perguntar as atrizes, mas ele não o fez.
Quando elas se retiraram finalizando a performance, um rapaz negro do público queria saber que tipo de "ritual" era aquele, como estivesse saído de uma catarse urbana. A mesma frase foi dita para ele e, apesar de visivelmente sensibilizado, este também não tentou interagir com as mulheres. Uma pena, parecia sensível a dialogar sobre gênero e arte.
Editamos os 40 minutos de performance para quem quizer ver, pois a ela fala por si só: http://www.youtube.com/user/jkprapk69
Texto e vídeo: Ana Clara Marques e Patrick Monteiro
2 comentários:
Eu tenho umas suspeitas com estes lances de religião....as religiões são as primieras a tacra pedras no aborto,nos nossos direitos sexuais..e nem sempre esses ataques são diretos,só em igreja crente.Já ouvi horrores do kardecismo,pregação da mistica feminina em correntes esotéricas...eles podem até vir com coisas coerentes,como o texto citado da teóloga,mas logo á frente,nos puxam as rédeas.
E se puder,coloquem mais informações sobre este curso,porque não consegui entender direito.Cheguei a ponto de não mais acreditar numa luta feminista pacífica.Me enchi disso.Estamos sendo espancadas,violentadas e mortas,e tudo o que desejam de nós é que "entendamos" nossos agressores e os perdoemos sempre com um sorriso no rosto,nunca exigir justiça.Como leis no estilo Maria da Penha podem ter efeito se temos esta atitude?
Ah,e sobre o teatro...acho que a mulherda correi porque ficou assustada.Tipo,vcs estavam com máscaras de bichos,espalharam sal(pelo menos acho que era sal) no chão,acenderam fogo num pote...eu acho que elas acharam que era macumba;pelo menos,aqui seria considerada isso e dificilmente alguém associaria com outra coisa.E pelo o que observei no relato de vcs,os homens também estavam achando que vcs estavam "macumbando" no meio da rua.Deve ser isso o motivo do espanto,porque já teve teatros feministas por aquie ninguém teve este tipo de reação.Mas o que vale éa intenção no final das contas.
Sobre a religião, concordamos plenamente. Enquanto as feministas do Católicas pelo Direito de Decidir tiverem coerência e confluência com nossas lutas, estaremos junto delas nas trincheiras.
O curso é realizado por uma militante feminista anti-militarista do Chile.O Anti-Militarismo constitui em uma luta contra a opressão do Estado, policia, exército e toda forma de violência institucional. Você já deve ter visto alguma Ação Direta Não-Violenta (trens que levam armas e munições e os ativistas bloqueiam os trilhos, alem de outras)sendo noticiada na TV. Não necessariamente as ações são ortodoxamente pacificas e nem sequer é possível condenar atitudes violentas de protestos com algo ruim. Entre as varias estratégias não-violentas está a sensibilização de quem está de fora da ação, estratégias de defesa contra a ação policial, dinâmicas de organização de grupo através do consenso e a base de formação da ação que é a confiança no grupo. Sobre mais informação basta pesquisar na net.
O Teatro foi realizado por duas mulheres que fazem parte do Grupo de Teatro de Operações http://www.youtube.com/watch?v=0f_xPfpUEKA do Rio de Janeiro, a duração da intervenção foi de 40 minutos. Acreditamos que o uso das máscaras serviu para deserotizar a intervenção, o sal e o fogo parecem estar ligados aos elementos ritualísticos da natureza e a associação com elementos de matriz africana devem realmente ter ocorrido, contudo não acreditamos que foi este o motivo da reação das pessoas. Provavelmente o ato de desnudar os seios e queimar o que cobria tenha sido o grande incomodo. Talvez sua cidade tenha outra relação com o corpo e com o convívio com pessoas de outras etnias, facilitando a aceitação de intervenções feministas, o preocupante é que uma intervenção feminista que não gere grande incomodo, talvez não seja realmente feminista.
Saudações feministas!
Postar um comentário