4 de nov. de 2010

Se não se pode fazer aborto, o quê devemos fazer?

A greve do útero

As piadas só mascaram a seriedade do machismo por que são instrumentos de dispersão da realidade. Os insultos e as violências nada mais são do que mecanismos de adequação social e comportamental. Assim, a maioria das mulheres provavelmente jamais ponderou sobre o óbvio: o que esta em disputa não é a luta pela conquista da consciência masculina ou dos direitos institucionais (lutas fundamentais, porém complementares e pontuais, dentro de cada época histórica), mas é sim a luta pela propriedade e uso de seu útero/corpo.
A história da humanidade se desenvolveu através da luta de classes (senhores feudais contra servos, escravos contra senhores de engenho, nobres contra burgueses). Fosse pela sua liberdade e pela autonomia intelectual, foi o controle das riquezas produzidas, que possibilitam a liberdade e da autonomia, a questão determinante dos grandes conflitos humanos.
Quem domina as condições econômicas, acaba por ter a propriedade sobre o seu corpo e, por extensão, do corpo alheio. O que aumenta a restrição da liberdade intelectual coletiva e individual de qualquer sociedade.
Preso as terras dos senhores feudais, o servo tinha sua condição de vida determinada pelos poderes da Igreja e dos Nobres. Sequestrado da África, sem meios de sobrevivência, o corpo negro era usado como um instrumento bem caro e lucrativo pelos latifundiários brancos. Proibidos de comercializar, a burguesia promoveu golpes armados em todo o mundo, em nome da “liberdade capitalista”.
“Lutar” para libertar outros da terra ou da escravidão significou para a burguesia, a emancipação frente a nobreza, aos custo de "tirar" da terra a plebe e joga-lá no mundo sem recursos. Foi uma avanço do ponto de vista histórico, mas nunca uma libertação plena. Esta é a historia do mundo e esta também é a história das mulheres.

Voltemos a questão inicial, considerando que a principal disputa em qualquer luta de classe é direito de uso e propriedade dos meios de produção, tal condição coloca as mulheres em situações específicas, já que seu corpo é colocado como um instrumento de geração humana.
Em regra geral, é socialmente dado aos homens o direito de uso doméstico do corpo feminino e, em troca, as mulheres receberiam uma proteção (contra a violência de outros machos) e devem ser providas em nossas necessidades biológicas naturais (fome, abrigo, vestimentas, etc).
Lógico que outras condições sociais atravessam esta situação, criando particularidades históricas e culturais diferenciadas a esta moralidade geral. Um exemplo é que se o homem não possuir renda suficiente para prover a mulher, ela assume o papel de co-provedor, ou total provedora, entretanto, apesar de assumir este encargo, de maneira geral, as atividades domésticas continuam em suas mãos, o que aumenta sua servidão.
Os meios de produção foram dominados pela burguesia, pois a luta de classes representa a batalha pela riqueza produzida pelas pessoas. Na questão de gênero é a luta pelo controle do corpo das mulheres, é o domínio da produção de seu ventre.
A natureza impôs as fêmeas humanas uma condição muito própria para a sobrevivência das espécies, é por isso que os machos humanos reproduziram nas fêmeas a propriedade privada de seus corpos como também o fizeram com a terra. O ventre feminino é o meio de produção primordial para a continuidade da espécie humana.
Caso houvesse um extermínio completo dos machos humanos, bastava que apenas menos de 1/5 das mulheres estivessem grávidas para que o potencial natural de perpetuação da espécie humana fosse mantido.
A concepção de que os machos humanos são tão responsáveis e necessários quanto às fêmeas para a sobrevivência da humanidade, hoje pode ser considerada uma falácia de facílima desmistificação, pois o extermínio total das mulheres demandaria o fim completo de toda a espécie, enquanto o contrário não se levaria ao nosso fim. Levando-se em conta o poder da tecnologia reprodutiva atual. Mas basta um exercício mínimo para que seja estabelecida a evidência: se todos operários fomentassem uma grande greve, a riqueza deixa de ser produzida e pouco adianta a burguesia ser nominada como “dona de propriedades”, pois não haverá mercadorias (trabalho) do que (de quem) se apropriar. Sem os trabalhadores pobres, deixam de existir as camadas privilegiadas. Isto é similar na condição das mulheres.

Após o matriarcado (comunismo primitivo), uma minoria dos machos se apropriados dos meios de produção, se instauram o controle do corpo das mulheres e, posteriormente, do corpo dos povos derrotados em guerras. As mulheres foram afastadas dos trabalhos transformadores e os filhos de seu útero, saíram da responsabilidade dos clãs e passaram a ser propriedade dos patriarcas e dos donos das escravas. Era importante controlar o corpo feminino para garantir a hereditariedade da posse e a manutenção dos trabalhadores oprimidos.
Para manter seus privilégios de classe econômica, os “patrícios/patriarcas” criaram mecanismos de poder que estendessem aos demais machos parte de seus privilégios. O ócio doméstico e o direto do prazer sexual são algumas destas concessões. Em troca, cabia aos machos dominados agirem como violentos feitores das mulheres. Os impérios, a Religião ou o Estado só intercediam neste papel de executor quando uma ou mais mulheres fugiam do controle dos homens do povo.
Se a história humana não tivesse sido assim, e sabemos que ela foi, todas as pessoas teriam sido obrigadas a desenvolver “as funções degradantes”, funções executadas pelos seus serviçais dos palácios e das mansões (recolher o lixo, limpar as latrinas, lavar as roupas, cozinhar, cuidar das crianças alheias, carregar pedras, cortar madeira, etc) para seu sustento e gozo.
Sabemos que esta pode ser uma elucubração irrelevante, no aspecto histórico, mas fundamental para qualquer perspectiva ideológica de transformação feminista, pois ela escurece parte das luzes racionalistas que elegeram o conceito homem com sinônimo de humanidade.

O luxo material que conhecemos é originário e dependente da miséria em que se encontram as camadas oprimidas. Miséria que obriga negros e mulheres ( que formam a maioria dos pobres no Brasil e no mundo) a executar atividades degradantes, em lucro e beneficio de poucos. Não existe luxo e ócio sem miséria.
E  é desta mesma maneira que o patriarcado é originário e dependente da miséria humana da maternidade. Devido as condições naturais que as mulheres, em beneficio dos machos e da burgueses de nossa espécie, tem no parto a mesma função das fabricas e dos latifúndios: alimentar os empregos degradantes para a sobrevivência dos privilégios econômicos de uma minoria.
Eis o segredo por trás da proibição do aborto. Eis a resposta para o incentivo do “sonho da maternidade”. Eis a solução para a luta das mulheres.
Em poucas décadas, uma greve de úteros geraria o colapso do sistema econômico patriarcal. Não renderia trabalhadores suficientes para serem explorados em trabalhos não-transformadores.
E mesmo que as mulheres burguesas produzissem filhos, quantos deles seriam necessários, e se disponibilizariam, para assumir tais postos de trabalho?
As famílias burguesas se devorariam ou (o mais provável) usariam seus instrumentos mais violentos (policia e as leis) para que tal situação não se mantivesse. Isso levaria a enfrentamentos diretos contrários a condição das “mulheres grevistas”.
Pedimos que as maçãs podres pensem um pouco sobre esta greve de úteros. Analisem quais seriam as situações, os benefícios e as conseqüências. Ponderem, pois se esta for uma possibilidade concreta de mudança, como acreditamos é uma idéia que deve ser elaborada e difundida. Mesmo que ainda não seja como prática, é necessário que ela já se dê como uma perspectiva de futuro. Pois não existe liberdade alguma sem que haja propriedade real e concreta sobre o que deve ser feito com ele. Ficando aqui a pergunta se não devemos/podemos fazer aborto, o quê devemos fazer?

Ana Clara Marques e Patrick Monteiro

9 comentários:

Flávia Simas disse...

Olha, eu adoro este blogue, mas nunca consigo ler os textos mais longos por conta desse plano de fundo dele... não é nenhum pouco reader-friendly, a vista cansa, as letras se confundem com as maçãs, enfim, é horrível. Não seria melhor colocarem um plano de fundo mais neutro e letras maiores?

Anônimo disse...

Acho q não só a questão da greve de úteros, mas sim de greve de casamento, pois é no casamento q se legitima a exigência da procriação.
Mas como adequar a greve de úteros dentro de um contexto de amor romântico, q imprime nas relações a fantasia do amor eterno, fiel e feliz?
E ainda, essa greve de úteros, em última análise, não teria que significar uma greve de relações sexuais hetero? Se não devemos procriar, e se métodos anticoncepcionais falham e o aborto é proibido, para se ter garantia de sucesso na greve, vamos dizer assim, a recusa das mulheres ao sexo hetero é que seria a forma de concretizer isso.
Pensemos.

Arttemia Arktos

Anônimo disse...

Super concordo com a Arttemia. A greve de úteros é uma greve de relações hetero-sexuais, relações estas que no contexto social em que estamos, são impostas com uma máscara de naturalidade e fomentadas como destino inevitável das mulheres. A alienação proveniente do pensamento hétero serve à construção e manutenção das diferenças de gênero e dominação das mulheres. Enquanto o pensamento e práticas feministas não estiverem pautados em franca oposição ao pensamento hétero, estarão fazendo um desserviço à libertação e autodeterminação das mulheres.

Anônimo disse...

by the way, amei o texto e a imagem do lado direito do blogue.

ABAIXO A INSTITUIÇÃO LESBOFÓBICA DA HETEROSSEXUALIDADE COMPULSÓRIA QUE SEPARA E ENFRAQUECE AS MULHERES!
MULHERES DO MUNDO, UNI-VOS!

IGN-UP! disse...

sabe,tempos atrás eu ia considerar tal atitude um exagero....mas depois de ter visto uns monstros debocharem de estupro e outros monstros negarem nosso risco e sofriemnto dizendo que "homens também são estuprados",juntando com o blog de um americano imbecil que escreveu que foi graças á invenção do aspirador de pó que as mulheres puderam se dedicar ao feminismo,então,não tem outro jeito.

GRIF Maçãs Podres - Anonymous disse...

Flovi,
estaremos resolvendo esta questão em breve. Obrigada pela constatação.

Arttemia, Ignat e demais feministas
estaremos publicando um post a partir de suas contribuições.

Saudações Feministas.

Anônimo disse...

A pertinência de uma greve de úteros diante disso:

Cadastro obrigatorio de gravidez em pauta no Congresso Nacional http://lc4.in/75hO

Proposições que retroagem os Direitos das mulheres http://lc4.in/wO43

No Congresso Nacional tramitam 46 projetos de lei q criminalizam as mulheres http://lc4.in/LRiw

Arttemia Arktos

GRIF Maçãs Podres - Anonymous disse...

Arttemia Arktos
Em 50 anos existem totais probabilidades de que tudo que escrevemos “hoje” esteja no lixo da história. Ou se não, apagado pelas plataformas da net como produto de “instrumentos obsoletos”.
Mas se diversas produções (textos) forem publicadas na rede sobre o tema da greve dos úteros, as chances que a idéia venha a ocorrer e se perpetuar aumentam minimamente.
Esta primeira observação é fundamental para caracterizar que, mesmo pulverizadas ou discordantes, é necessário produzir textos sobre o tema, como o intuito de que nossa geração possa deixar alguma contribuição ao movimento feminista futuro.
Posto isso, tentaremos produzir agora em diante textos e estudos levem a este prisma, sejam em forma de conclusão, análise ou citação.
No momento, estamos surpresas com as respostas de apoio a idéia e abordaremos as questões levantadas pelas Maçãs Podres que nele comentaram (Arttemia Arktos e demais feministas) nos próximos textos.

Gabriel Brito disse...

Ideias que ocorrem a longo prazo sãos a visão de futuro que se constroem no presente. Portanto, acredito que a Greve de Úteros, seria a síntese de uma proposta dialética que se iniciaria com uma reivindicação da classe trabalhadora; o que torna o marxismo, um feminismo.
Saudações Feministas.