A OIT (Organização Internacional do Trabalho) divulgou um relatório sobre a condição das mulheres que exercem atividade doméstica dentro da América Latina. Segundo os dados, o trabalho doméstico é a principal atividade desenvolvida pelas mulheres da América Latina. A cada 100 trabalhadoras, 14 são domésticas, o que constitui um universo de 14 milhões de mulheres latino-americanas que se ocupam dos afazeres domésticos de outros lares.
Na realidade a cifra citada acima é bem maior, pois estima-se que menos de um terço destas trabalhadoras são registradas e que muitas destas trabalhadoras são meninas menores de idade, apesar da proibição do trabalho infantil, tornando ainda mais difícil a precisão dos dados sobre esta atividade.
No geral, o perfil destas mulheres é de origem indígena (nos países de língua não portuguesa) e afro-descendente, consequentemente mulheres pobres. Devido a indigna condição de miséria institucionalmente planejada para as populações nativas e escravizadas, tais mulheres possuem uma baixa escolaridade, não tem possibilidade de outra qualificação específica, não possuiem experiência de trabalho e acesso a redes sociais feministas. E muitas delas são migrantes de áreas rurais.
O mais assustador é imaginar que a extensão das jornadas de trabalho por parte destas mulheres as impossibilitará de melhorar drasticamente suas condições materiais ou intelectuais, pois devido a precariedade do ofício e o menor poder aquisitivo de alguns “empregador@s/explorador@s”, é comum que muitas atuem em mais de uma casa, em dias alternados, e em alguns casos, em mais de um domicílio por dia, dentro dos grandes centros urbanos.
Os blogues feministas e sua negligência com as questões raciais do Brasil
Com auxílio da internet, e graças a força histórica da luta feminista, observamos a ocorrência de um interessante e crescente desenvolvimento de blogues e sites feministas escritos por homens (são poucos é verdade, mas existem).
Entretanto, nós “Maçãs Podres” percebemos que o fenômeno não se encontra na mesma proporção quando o assunto é a publicação de textos feministas sobre a questão das mulheres negras no Brasil (e no mundo) em blogues e sites de mulheres brancas.
Ora como pode o feminismo avançar em esfera nacional se só as mulheres negras bradam pela igualdade racial, enquanto nós mulheres brancas continuamos presas ao umbigo silencioso da falsa democracia racial deste país?
Dada a conjuntura da violação de direitos, precariedade do ensino, da exclusão social e da massa populacional brasileira não é preciso estudos estatísticos para confirmar o que é facilmente observável: são as mulheres negras as que se encontram em piores condições quando a questão é o patriarcado, pois elas além de sofrerem com o machismo dos homens brancos e negros, elas também são vitimas da discriminação e indiferença das mulheres brancas.
Como feministas temos que estar cientes ao fato de que se muitas das mulheres brancas chegaram aos afamados cargos de representação política, atingiram destaque teórico e acadêmico, altos cargos trabalhista ou se aumentaram seu nível de consciência feminista, foi porque centenas de jovens negras foram preteridas dos estudos profissionais e do desenvolvimento intelectual, em nosso favor.
Negar a situação acima é cair na falácia do individualismo, da não socialização humana, nos valores da desigualdade capitalista. E os valores da desigualdade capitalista são a evolução dos valores da desigualdade de classe sexual do patriarcado. Ou seja, para que a parte das mulheres (brancas) pudesse avançar nas questões feministas e saírem da vida privada, a quase totalidade das mulheres (negras) teve que permanecer presas aos grilhões e conseqüências da escravidão feminina. Se não existem vagas suficientes nas faculdades para que todas as pessoas sejam médicas é porque a sociedade precisa de pessoas para exercerem as atividades de menor staus social.
Parece-nos lógico que exista então uma dívida histórica do movimento feminista brasileiro, em geral, com estas mulheres negras. O pior é que para ser alterada a condição de dominação que os homens impõem é fundamental entender que a questão racial é parte da luta contra o machismo. Entender que ela não é uma “simples questão econômica” ou racial, entender que o silêncio frente ao racismo estrutural é um grave ato de conivência com o patriarcado que termina por novamente dividir as mulheres.
Não adianta universalizar o conceito de “ser mulher” na esperança de sensibilizar todas as fêmeas de nossa espécie. Sem o entendimento das partes, a totalidade é uma parte incompleta; sem o entendimento da totalidade, as partes serão apenas fragmentos soltos no vazio.
Assim, reconhecemos que a questão racial é muito complexa e muito delicada de ser tratada, sem que haja um estudo prévio ou quando não se esta/foi integrada a alguma militância do movimento negro. Mas dada a sua importância, como diz o lema da luta feminista “é necessário que venhamos a reverter esta dificuldade ou resistência”.
Por isso que os dados citados acima foram publicados, pois se estão longe de ser uma novidade para qualquer feminista, acabam por demonstrar o quanto é vital que se fortaleça no Brasil as bases do feminismo étnico de classe econômica. E com certeza, a internet é um dos meios para este fim.
Não adianta utilizarmos o discurso da “diminuição dos níveis de pobreza” ou “da inclusão social”, pois este é o mesmo discurso da “inserção das mulheres no mercado de trabalho”.
Dentro de uma sociedade machista atual nos feministas perguntamos sempre para que ficou as “atividades de cuidado” e trabalhos doméstico? E nós Maçãs Podres devemos também nos perguntar “dentro do racismo velado com quem fica as atividades subalternas que os homens não destinaram as mulheres brancas”?
Sob uma perspectiva racial, nós Maçãs Podres continuamos: dentro desta “histórica conquista das mulheres do mercado de trabalho” com quem ficou a maioria dos cargos de chefia (quando estes não são indicações de políticas)? E quem é que fica com os trabalhos braçais das novas executivas, quem são as mulheres a servir o cafezinho das ministras de gabinete e quem são as mulheres que se candidatam para limpar o chão por onde pisam as doutoras da academia?
Se vários homens (blogueiros) já puderam aprender com as feministas o quanto é fundamental a luta pela libertação dos sexos, se alguns deles já entendem que o machismo não lhes trás só privilégios, será que nós feministas brancas vamos demorar demais para entender o quanto a luta feminista perde quando nós blogueiras (feministas e brancas) continuamos a ignorar a questão racial? Quanto nossa ausência declarada é um entrave para o desenvolvimento unificado do feminismo no Brasil?
O racismo é uma das mais fortes e perversas estruturas institucionais do patriarcado criadas para manter a desigualdade econômica e sexual. É preciso que nós feministas venhamos a entender o quanto é proximal a relação entre machismo e racismo, para só assim vislumbrar uma mínima aliança entre mulheres negras e brancas. E quem sabe este seja o salto qualitativo capaz de tornar o feminismo brasileiro uma referencia na luta mundial? Tanto para nós mulheres brancas, quanto para nós mulheres negras.
(Este texto faz parte do estudo "Por um feminismo brasileiro amplo e não fragmentado". Para entender todo o contexto desta postagem leiam também "A difícil condição sexual da Mulher Negra na África do Sul, Haiti e Brasil " "Para além da cor da pele: a dialética do feminismo brasileiro" e "os privilégios de ser uma mulher branca")
Viva a um Movimento Feminista Unificado!
Texto: Ana Clara Marques e Patrick Monteiro
4 comentários:
Acho que vcs têm razão. Muitas vezes o feminismo em todo o mundo é acusado de enfocar apenas mulheres brancas e privilegiadas. Temos de combater essa tendência a todo custo. Ao mesmo tempo, não é exatamente verdade que blogs feministas ignorem a questão racial. O meu, por exemplo, já teve diversos posts sobre racismo, como este, a favor das cotas, este e este rebatendo argumentos racista, este sobre o negro na telenovela brasileira, este sobre o privilégio branco, e este, este, e este sobre o preconceito contra o cabelo negro. A questão das empregadas domésticas realmente é um calcanhar de aquiles para muitas feministas. Eu, por coerência política, desde que deixei a casa dos meus pais nunca tive empregada. Escrevi alguns posts, sempre polêmicos, sobre o assunto, como este, este, e este, que até hoje é um dos posts mais comentados na história de 3 anos do blog.
Se vcs quiserem escrever um guest post sobre o assunto, eu publico com prazer.
Lola,
é bom saber que vc escreve sobre o racismo, e mais especificamente sobre condição das mulheres negras. Ainda assim é fato que os blogues de feministas brancas tocam pouco nesta questão, pois a internet é um espectro do mundo real. Se ainda existem “pautas”, em reuniões e conferências, sobre a questão do racismo é porque as mulheres negras nos obrigaram a nos organizarmos neste sentido. O que também é um ótimo dado. Contudo, seria bem mais interessante que a partir da blogosfera, feministas brancas passassem a tratar destas questões. Que a partir da internet começássemos a encontrar a nossa parte na superação do “feminismo fragmentado”.
Insistimos então que fique uma proposta de fortalecimento e criação redes blogueiras feministas, formadas por mulheres brancas que passem a escrever periodicamente sobre sua condição frente a situação das mulheres negras. Gostaríamos que vc nos indicasse blogues de feministas brancas que abordam o tema.
Podemos iniciar a proposta, escrevendo um guest post para o seu blogue
Saudações Feministas!
Adorei. Sou uma blogueira feminista, metade brasileira, metade americana, e posso dizer que nos meus estudos feministas lá nos Estados Unidos, nos falamos bastante sobre esse assunto. Mas aqui no Brasil, na minha experiença, parece que essa ideia ainda é nova, e nem todo mundo entende o conceito. Temos que educar as pessoas! Obrigada por ter escrito esse post...
Julianabritto.com
Juliana
Obrigada por comentar, pois ao q nos pareceu, este post foi muito comentado, por ser replicado em outros sites, mas as pessoas se defendiam reproduzindo textos de exaltação "a mulher negra" ou enumeravam as vezes que escreveram sobre "a questão racial", como se sua "individualidade" já representasse ou respondesse as necessidades da questão. Todavia, qndo entrávamos nos sites para conversar, eramos terminatimente ignoradas... Ou seja, este é um tema "proibido" que mergulha na espiral de silêncio semaprofundamento de sua contradições.
Se a abordagem não for uma denuncia, pareceu-nos que se pode falar sobre o assunto, nem como forma de problematização das analises.
Por fim, ficamos muuuuuuuito felizes como seu comentário. Não só pelo reconhecimento, mas principalmente por ter contribuido para q vc difunda ainda mais o raciocinio critico da questão.
Saudações feministas!
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