4 de fev. de 2012

FEMINISMO, RACISMO E CAPITALISMO - 1º TEXTO ANONYMOUS MAÇÃS PODRES

Patriarcado, Virgens e Marias - UMA ANÁLISE DO SISTEMA RACIAL DE CLASSES SEXUAIS

A primeira divisão do trabalho é a que se fez entre o homem e a mulher para a procriação dos filhos (...) O primeiro antagonismo de classes que apareceu na história coincide com o desenvolvimento do antagonismo entre homem e mulher na monogamia; e a primeira opressão de classes, com a opressão do sexo feminino pelo masculino (...)

Engels identificou em A origem da família, da propriedade privada e do Estado que a primeira divisão exploratória do trabalho ocorreu entre homens e mulheres. Foi a primeira submissão do patriarcado, que através do controle da sexualidade das mulheres, colocaram-nas na condição de primeiras Anonymous da história.
Toda a desigualdade econômica é derivada de grande acumulação de capital, ocorrida em cima de milhões de pessoas que não acumularam nada com sua exploração. Na verdade, as terras que hoje foram os latifúndios foram tomadas por colonização, posterior doação do Estado, cercamentos de pequenas propriedades familiares e grilagem.  Genocídios foram impostos a diversas civilizações para que tais propriedades fundiárias fossem acumuladas. A soma destes roubos e assassinatos, além do sequestro e tortura conhecido como “a escravidão”, proporcionou às famílias invasoras, um enriquecimento capaz de investir o produto do suor de negros e indígenas na construção de comércios, fábricas e bancos. Foi tudo em cima de muito sangue e violência. E a origem deste poder e controle inicia na instauração do patriarcado.
Ação policial contra os ocupantes do Pinheirinho, 
reintegrando terras para o mega especulador Naji Nahas




O patriarcado não é apenas uma estrutura de opressão, controle e poder dos homens sobre as mulheres, é base para nossa estrutura econômica atual, fundamentada na propriedade privada e no direito de herança. Agora como os descendentes dos explorados e escravizados podem competir com os herdeiros dos exploradores, que acumularam riqueza por séculos, em iguais condições? Nenhuma grande riqueza nasce do nada.
Originário da divisão da humanidade em classes sexuais, o patriarcado se desenvolveu pela proibição do direito de herança para as mulheres. Desde então as sociedades ocidentais trilharam diversos períodos históricos tendo os homens como centro do poder. Mas não todos os homens, apenas os filhos primogénitos das primeiras famílias a promover a opressão das mulheres e dos povos, ou os irmãos destes que se aliavam pra impor esta mesma condição a outras populações. Assim, o mundo que conhecemos hoje foi escrito e registrado por homens brancos que de algum modo descendem deste princípio. E apesar de sabermos que mulheres negras e brancas, e homens negros, tiveram suas descobertas, suas lutas e fizeram história, quando não foi massacrada, esta foi apagada pelas forças dos Reinos e dos Estados. Deste modo, basicamente tudo que tínhamos acesso era produzido para favorecer esta estrutura. Todo o saber  era produzido em favor da conservação desta economia.  Estava nas mãos e sob o olhar dos homens brancos ricos os rumos de nossas vidas. Pelo menos, até pouco tempo, parecia inimaginável ocorrerem manifestações contra o capitalismo nos Estados Unidos, mas lá também ocorreram as mesmas opressões que foram descritas acima.
 
Tanto aqui como lá, o homem branco ainda domina, ainda mantém seus valores e ainda mantém opressão, determinando o papel das mulheres brancas pelo patriarcado e persistindo até hoje a determinar também aos negros sua escravidão de desigualdade. Diariamente, vemos isso. Quando saímos e prestamos atenção aos meninos, que nas ruas vivem. Vemos nos programas de tv a verdade que nos mostra “uma periferia negra”. Revelam-nos que os negros e “misturados” são maioria. Uma maioria a quem devemos temer. Mas tudo isso é o resultado de um processo histórico. De um domínio do homem branco em nossas terras e sobre nossas mentes, deixando o racismo tão enraizado em nosso comportamento, que o racismo acaba se tornando invisível pra grande parcela da sociedade. Na verdade a hegemonia racista de nossa sociedade funciona tão bem, exatamente por isso.
Charles W. Mills em seu livro
The Racial Contract, nos mostra que o racismo pode ser visto como um contrato racial, em que o homem branco, além de dominar, e manter pra si mesmo as riquezas, oportunidades, etc, também não questiona o próprio sistema, mantendo dessa maneira, uma visão falsa de uma realidade meritocrática, igualitária e sem raças. Nem todos os “brancos” assinam esse contrato, mas todos são beneficiários. E é exatamente por isso que muitos da raça dominante não vêem o racismo diante de seus olhos, porque a hegemonia de nossa sociedade precisa dessa falta de atitude e negação da realidade, é exatamente o que o patriarcado precisa para continuar prosperando.
Técnicas policiais derivadas das torturas escravocratas
        “Tomar um atitude? Mas eu não sou racista! Eu nunca agredi um negro, inclusive meu cunhado é negro e eu sempre me dei bem com ele.” O problema do racismo é bem mais complicado, o ponto principal não é simplesmente o racismo individual de cada um, mas o racismo estrutural da sociedade. Os brancos não se colocam como responsáveis pela continuidade e a violência do racismo, por terem algum tipo de vínculo usam como desculpa, seja com a empregada negra, com um colega de trabalho, seja falando bom dia para o catador de lixo; estes contribuem diriamente com a opressão, não vêem que só por serem brancos, o que já é muito sendo um fator biológico e imutável, já tem privilégios em suas oportunidades no mercado de trabalho e usufrui dos mesmos. Ver o racismo como algo já superado é manter um mito da democracia racial, e a classe sexual dominante tenta nos incutir isso diariamente.
Devemos questionar nossa história, nossa politica, nossa mídia, nossa literatura, nosso padrão de beleza. A base de nossa sociedade é tão patriarcal, preconceituosa e opressora que não precisamos nem de racistas no controle, não que não o sejam, mas simplismente porque herdaram os meios de produção através do direito de herança. E o que os negros herdaram? Como se pode construir riqueza sem que tenhamos as mesmas bases socio-econômicas? Apenas continuamos a viver nossa vida do jeito que vivemos, a polícia continua prendendo quem “deve” ser preso; pessoas de “boa aparência” na mídia e infinitas outras ações que interpretamos como naturais são na verdade, formas de nos alienar, achamos que está tudo certo  e assim, os negros continuarão longe do poder econômico, e isso sem que exista uma única lei contra eles.
Podemos usar como exemplo um dono de uma loja que não contrata uma negra não porque ele é racista, mas porque não se sabe o que um consumidor racista pode achar da funcionária, e pra não ter problemas, ele contrata a funcionária branca, como exemplo, temos a frase na vitrine, “exige-se boa aparência”. Apenas mudar de opinião não é o suficiente.

DESTRUIÇÃO DAS IDEOLOGIAS 
vs. DESTRUIÇÃO DAS ESTRUTURAS DE PODER

Como escreveu Beauvoir:
“A história mostrou-nos que os homens sempre tiveram o poder concreto; (...) julgaram útil manter a mulher em estado de dependência; (...) seus códigos se estabeleceram contra ela (...)”
E se a sentença desta afirmação pode ser encontrada nas novelas televisivas, nos filmes de Hollywood, nos antigos romances de bolso vendidos nas bancas de jornal, mas a maior comprovação deste fato está no cotidiano doméstico das famílias tradicionais e no desenvolvimento de nossa história. Todas as desigualdades, assim como as conhecemos, nasceram do patriarcado e nas representações atuais a opressão do imperialismo, portanto, todos os preconceitos presentes no senso comum ou nas academias são criados pela classe dominante. É através do poder econômico, da perspectiva do dominador, que são construídas as representações de “força” e “submissão”, de “beleza” e “feiúra”, de “sofisticação” e “vulgaridade”, todas com objetivo de criar indeinficação com a cultura dominante e fazer de seus valores, os valores populares. E sendo nossa sociedade estruturada por uma elite branca, classista, hierarquizada, patriarcal e autoritária, fica claro que não foram os próprios moradores dos morros que criaram a ideia de que “na favela só tem ladrão”, ou foram os negros que introduziram o conceito de “cabelo bom”.
Precisamos sempre enfatizar que é na história humana que se encontram as bases e respostas para qualquer critica sobre comportamentos, estereótipos ou ideias de diferença sexual e que nenhuma ideologia ou representação simbólica, presente na mentalidade social, se sustenta sem as diferenças econômicas. Assim, as construções simbólicas das identidades sexuais e raciais também sofrem influência deste processo, se tornando um substrato cultural que reflete as diferenças econômicas.  
Numa abordagem mais simples, podemos dizer que as mulheres, em geral, são representações corporais da reprodução biológica, que sustentam a sobrevivência humana no parto, cabendo aos homens, em geral, as representações da produção econômica, dos dividendos da sobrevivência material da humanidade, o que se reflete no lar como a função de provedor.  Entretanto, quando adentramos mais profundamente nas tais representações, encontramos diferentes signos de gênero para as diferentes raças e classes sociais, sem que, todavia, o conceito geral do machismo e do racismo implique em significados desconectados às imposições da dominação econômica. Na ausência do macho branco, o cérebro é a mulher, mas mulher branca, visto que, nos últimos 500 anos, com as grandes navegações, foram os europeus que colonizaram outros povos, e com isso criaram a ideia de superioridade branca, legitimando esse argumento através do exemplo de que seu domínio demonstrava que eles eram mais capazes que o restante dos povos que foram dominados: negros, índios, asiáticos, etc.
 Numa generalização ao patriarcado racial, cabe a mulher negra o papel do objeto sexual tanto quanto para a mulher branca, mas na negra a sexualidade representa um “impulso selvagem incontrolável”, diferente da mulher branca que representa “a civilização”, ou seja, os impulsos sexuais já “domesticados”. Enquanto aos homens negros cabe o papel do “homem estivador”, ou seja, aquele que produzirá com as mãos os rumos da sobrevivência material, em oposição ao papel que lhe foi imposto, o homem branco destinou para si a atuação cerebral, ou seja, racionalista, comandando os rumos da produção material humana. Se para a mulher colonizada a função era o “corpo selvagem”, cabia ao homem colonizado, se tornar mão de obra para o colonizador. Neste ponto, se destaca um elemento complementar na condição do homem negro, a condição de “exército de reserva”, visto que o contingente de desempregados – exército de reserva – mantém as reivindicações da classe dominada em cheque, como afirma Marx “(...) inibe as reivindicações trabalhistas”; a condição daquele que “se não aceita seu papel social” é porque tende a marginalidade, a ameaça da propriedade: “o bandido”.  Fenômeno este que se reproduz do mesmo modo nas mulheres negras, quando imaginamos a representação da “mulher que não foi feita pra casar”, mesmo que se procrie com ela, a “cria” não se torna legitima de herança, popularmente chamado de “o filho da empregada”; em outras palavras, se não foi feita pra casar, vulgarizaram-na como puta; satisfaz, enquanto corpo, o desejo do homem, mas não tem os valores elegidos como virtudes da mulher já “domesticada”, “civilizada”, a “princesa encatada”.
Desta maneira, apesar de Beauvoir levantar um fato em sua sentença, este se amplia a uma condição muito maior em países que o processo escravista foi implementado, nutrindo mais que “a universalidade das desigualdades de gênero”, mas certamente também todo um bojo de representações de desigualdades de gênero, com fundamentos na história das desigualdades raciais.
É dentro deste contexto que o sangue coagulado se mistura à ferrugem de engenho e ao seu cheiro,  acentuando o cheiro rubro que se derramou nos trocos das senzalas. Não são apenas as mulheres brancas a representação do inanimado; aos negros, o inanimado possui mais pesadas representações.
O ranço da história escravocrata brasileira se encontra presente a cada escrava estuprada pelo Senhor branco, pois foi ali que nasceu a Ideologia da Mulata, que transforma as mulheres negras em objeto de consumo gringo. A cada homem negro castrado por seu Senhor de Engenho Branco, nasceu ali um novo “Mulato” que sonha em ser soldado do Estado e prisioneiro de uma Xuxa de olhos azuis, para como feitor se afastar dos seus de pele e sangue.  A cada filho de escravo, nascido e tirado de suas mães pelo Senhor Branco, nasce um outro menino de rua, explorado, que vende chicletes de grandes empresas nos semáforos, sem quaisquer perspectivas de futuro.   A cada violência cometida contra o homem negro e contra a mulher negra, pelo Senhor de Engenho Branco, mais uma vez se processam as torturas da desigualdade, da escravidão e do troco por onde não se encontram com frequência “sinhas moças”.
E, contra os negros, nós, manipulados brancos, com medo da cor, juramos vingança contra o próprio oprimido. Sentimos o ódio percorrendo por dentro, como uma semente plantada em nossa consciência pela consciência do domínio de um ser humano sobre outro. A consciência de que em todo homem branco existe o germe da dominação – o racismo, o machismo – dos filhos do patriarca. Mas nunca perguntamos a nós mesmas: “quando isso começou? Como vai terminar? E por que não terminou ainda?”
Mesmo lançando essa alienação sexista e racista todos os dias em nossas cabeças, estamos anonimamente despertando para buscarmos mudanças nas condições gerais destas estruturas... e, como maçãs podres, contaminado mais e mais gente com a mesma ideia e atitude:

SOMOS 99% DA POPULAÇÃO
E AVISAMOS QUE SEUS DIAS DE FARTURA ESTÃO CONTADOS
  
GRIF MAÇÃS PODRES
Texto: Ana Clara Marques, Gabriel Brito, Pablo Augusto e Patrick Monteiro
Colaboração: Laura Brito e
Tatiana Sambinelli

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