15 de nov. de 2009

O Caso Uniban: “O crepúsculo dos ídolos”

UMA ANÁLISE SÉRIA SOBRE NOSSAS ESCOLHAS

A consciência feminista é o único meio extremamente radical para a transformação desta sociedade. Podemos citar vários exemplos de momentos em que a consciência feminista seria definitivamente revolucionária. Ao invés de uma ditadura do proletariado na URSS, o projeto anticapitalista soviético poderia ter sido: “uma ditadura feminista do proletariado”. Mas, isso não ocorreu. Em escala infinitamente menor, continuamos errando quando nos voltamos a lutar contra o sistema econômico de classe sexual. Estamos falando do “Caso Uniban”.
Assim como várias mulheres, Geisy é uma pessoa que não tem o entendimento profundo desta sociedade. Infelizmente, isso fica óbvio no modo em que se submete a mídia e em suas falas: "As loiras têm um charme diferente. O meu sonho era ter um cabelão poderoso como o da Claudia Leitte". E na infeliz escolha de um vestido que serve somente para despertar desejo masculino. Sem a ciência do que significa o machismo, Geisy se permite manipular pelos fatos que a cercam. Ela permite que outros tracem os rumos de sua existência. Primeiro, os homens como um todo, pelo modo em que se vestiu. Segundo, os alunos da Uniban que a expuseram publicamente a um assédio coletivo. Por fim, a grande mídia e a Universidade Bandeirante, e logo mais a “justiça” do Estado, que a transformarão em um ícone passivo das decisões de sua própria vida.

O que determinou ela ter um raso despertar de sua condição submissa foi sua indignação por uma causa individual. Em suas entrevistas, Geisy não se coloca como parte de um conjunto de mulheres que sofrem várias formas de violência diariamente. Não se observa qualquer engajamento com a causa de outras mulheres. Sequer todo estardalhaço foi impulsionado pela própria vontade de Geisy. O “acaso” (Youtube) se encarregou de estourar o estopim do absurdo ocorrido na Uniban. O que despertou a revolta em Geyse não é o fato de que mulheres apanham, ou que não podem falar, ou que não tem sua história registrada, a sua revolta foi despertada por uma ação oportunista da mídia. Todo despertar é apagado estrategicamente pelo sistema social machista. No caso de Geisy o seu “despertar” está sendo apagado com os “15 minutos de fama”e o provável pagamento de uma indenização. O grande problema de ter o estalo de consciência é não enxergá-lo com todo o conjunto de sua existência. É considerar que o assédio coletivo foi um fato isolado. É não ver a continuidade de todo um processo que se iniciou na primeira roupa rosa que usou quando bebê e no primeiro vestido sexy que ela mesma escolheu comprar. Para nossa infelicidade no vazio de seu discurso individualista, Geisy consegue dialogar muito mais facilmente com as mulheres que assistem às novelas do que a soma de todo o movimento feminista.
E como ficam os estudantes da Uniban?
Os alunos da Uniban já escolheram o seu lado e provavelmente nada despertarão. É mais provável que se sintam injustiçados, que se aproximem de um modo contraditório do mesmo sentimento de Geisy. É previsível que tais pessoas observem o fato apenas em favor de sua causa própria. Neste momento, ao que parece, a única preocupação que cerca os estudantes da Uniban é o detalhe de que seu currículo poderá ficar “sujo”, assim como a imagem de Geisy estaria marcada e irremediavelmente estgmatizada dentro da universidade se o fato não tivesse sido filmado.

A mulher no lugar do opressor

O corredor em volta de Geisy era composto também por mulheres “santas” que a xingavam de “puta”. Quem sabe o comportamento destas expressasse o posicionamento de quem prefere estar ao lado do inimigo, para que também não venha a ter seu comportamento julgado. Como disse a Firestone, “o melhor elogio para uma mulher é qualificá-la com adjetivos tipicamente masculinos”. Como diria Marx, “os burgueses (homens) não fazem consigo mesmo o que os proletários (mulheres) fazem uns contra os outros”. O falso moralismo destas mulheres estava estampado no corpo de Geisy, assim como o falso moralismo de Geisy está estampado em suas falas. As estudantes da Uniban apedrejavam o corpo de Geisy em seu discurso. Contudo, o corpo que elas atacavam era na verdade uma extensão de seus próprios corpos. Assim como os homens que esbravejavam o "direito" ao estupro, estas mulheres são responsáveis pela escolha que fizeram, a escolha pelo estupro moral de todas as mulheres a quem Geisy representava naquele momento. Os gritos de “puta”, vindo das mulheres, "justificaram" a ação dos homens em questão.
"O poder sexual femnino"
É importante ressaltar que existe um debate sobre o “poder sexual feminino”: “mulheres que usam vestidos como este possuem um forte desejo em ser desejadas e não serem tocadas”. Esta é uma visão extremamente superficial de como se dão as relações de poder entre homens e mulheres numa sociedade machista. É o mesmo que um operário de fábrica acreditar que se aumentar suas horas de trabalho ficará rico ao longo da vida. Este é um discurso compreensível em homens que não se encontram dentro das altas rodas de poder. Perguntamos se homens como Roberto Justus ou Thiago Lacerda sentem este tal “poder feminino” sendo exercido em cima deles? Se é tema superado o fato de que as mulheres são colocadas como objeto no mercado sexual machista, isso significa que existe no estoque uma larga escala de “produtos similares” a estas mulheres poderosas, produtos capazes de satisfazer o desejo dos consumidores masculinos de “alto padrão”. Como ser em-si, a mulher objeto não exerce nenhum poder sobre os homens, na verdade, sua posição de intocável ocorre por causa da lógica machista que exige um “produto novo no ato da compra”. A “autopreservação” é a garantia de que ela esta resguardando-se para um consumidor capaz de pagar o preço de sua mercadoria/corpo trabalhado. E o modo que tais pessoas medem o valor deste produto/corpo é a quantidade de desejo que ela pode despertar naqueles que não podem pagar por ele. Tanto que agora Geisy já colocou parte dos acessórios que aumentam ainda mais seu valor de mercado para os consumidores brancos. Assim, tanto ação da Geisy como qualquer uma das estudantes que estiveram no assédio coletivo reintera as frases de Firestone e Marx, pois o único poder que elas poderiam ter é o poder de transformar esta sociedade através do feminismo.
A Manifestação
Nos colocamos ao lado das mulheres que ali manifestavam, contudo enxergamos os erros de estratégia. O carro de som servia para dar voz ao movimento ou gritar para ouvidos surdos? O discurso era para sensibilizar os estudantes do quanto capitalista foi a decisão da instituição ou para fazer um embate de discursos? O objetivo da manifestação era pontual (revogação da expulsão) ou era uma forma de aproveitar o fato político para promover mais um degrau da consciência feminista? O uso desgastado do discurso, sem uma preocupação de dialogar com os responsáveis, invisibilizou e estigmatizou as ações daquela tarde de segunda-feira em frente a Uniban. Nós feministas precisamos lembrar que tais estudantes não são instrumentalizados sobre o feminismo, portanto não falam a mesma língua que a nossa. Sem a aproximação do diálogo, só houve um choque de idéias sem nenhuma dialética. E sem qualquer planejamento/práxis, reproduzimos tudo aquilo que comumente nos é esperado, ou seja, nada ali pareceu ameaçador como é o feminismo para as estruturas do sistema machista. Infelizmente se o objetivo era de sensibilizar trogloditas, isso não chegou nem perto de ocorrer, o microfone que servia de arma, na hora dos disparos falhou. Simone de Beauvoir traduziu este problema na seguinte frase: “Se a "questão feminina" é tão absurda é porque a arrogância masculina fêz dela uma "querela" e quando as pessoas querelam não raciocinam bem”. Uma falha recorrente das manifestações feministas é lutar por casos isolados e isolá-los, gritar por somente “nossos corpos nos pertencem” reafirma a falácia de que todas nascemos livres e iguais no capitalismo, além do que um caso “isolado” é uma queixa individual, levando a acreditar que se for “liberado” o uso de vestido curto dentro das universidades, o problema de todas as mulheres será resolvido.
De que lado Geisy ficará?
Introduzir os indivíduos dentro das ações de um coletivo representa muito mais que somar mais uma pessoa a causa. Simboliza a quebra com a lógica individualista que se expressa no consciente popular de que “cada um deve resolver seus próprios problemas”. Nos manifestar sem a presença da “principal interessada”, acabou pondo em dúvida, aos olhos desavisados, a voz de nossa representatividade. Estímulos não faltaram ou faltarão para que Geisy tenha delegado a outros, e não ao movimento feminista, a representação de sua batalha. Enquanto estávamos discursando frente aos estudantes, que aos berros exclamavam: “não participamos do assédio moral”, Geisy dava entrevistas na televisão como uma celebridade saída de um Big Brother. Ou seja, o poder de reverter a situação não estaria nas mãos do povo, mas na manipulação da grande mídia sobre a opinião pública. Permitimos que a manifestação tornasse mais um ato do espetáculo social que este caso se tornou.
A Sociedade dos Espetáculos
 Por fim, em menos de três meses este é o segundo grande caso de mulheres que tiveram seu corpo apropriado pela mídia, que se apropriou do fato como defensora de mulheres usando o discurso de "liberdade sexual", mascarando todo o seu conservadorismo machista. Até porque a mídia usa mulheres sem consciência de classe sexual como isca para atrair os telespectadores machos, confirmando para as demais mulheres a naturalização de seus papéis, mantendo as mulheres como bonecas infláveis e marionetes da busca incessante do padrão de beleza. A professora baiana Jaqueline, que repercutiu discussões superficiais em programas sensacionalista ao dançar num show da banda "O Troco", teve o mesmo espaço na mídia, sofreu uma forma similar de exclusão, foi importunada por sua falta de consciência e o movimento feminista pouco parece ter feito para consolidar tal pessoa como uma mulher disposta a lutar em favor da causa feminista. Poderíamos ponderar os motivos pelos quais nada foi feito, contudo esta ponderação seria uma abstração vazia frente ao fato de que hoje tal mulher se encontra acima do palco em que se expos como objeto, ao lado do homem que simbolicamente a violentou e acreditando que todo o machismo sofrido por ela no mês de agosto, trouxe-lhe benefícios pessoais que jamais conseguiria conquistar se fosse uma agente ativa de sua própria vida, como uma mulher independente. Hoje Jaqueline é dançarina no espetáculo do machismo. E queiram ou não, Geisy tornou-se um "ícone cultural". Sua vida poderá ser novamente manipulada, para o malefício de todas as mulheres. Pois em 2010 teremos eleições. Geisy pode ser convidada a representar “a defesa dos direitos da mulher” por um partido oportunista qualquer. Enquanto nós feministas perdemos outras mulheres para o front inimigo. Pois junto com Geisy e Jaqueline outras mulheres serão arrastadas para o lado machista com sonhos de luxo e de celebridade instantânea.
Texto: Ana Clara Marques e Patrick Monteiro

4 comentários:

Anônimo disse...

Helena e Tereza, a senhora e a escrava, a santa e a puta, uma e outra como a música do chico, www.youtube.com.br/watch?v=DOjStceTToU

Por uma sociedade sem exploracao de Classe, Genero e Etnia!

Aborto nao é crime, crime é o que fazem conosco!

betoquintas disse...

belissimo texto, profundo e esclarecedor.

Flávia disse...

"Os gritos de “puta”, vindo das mulheres, justificaram a ação dos homens em questão."

Não há nada que justifique o que aqueles homens fizeram.
A opressão que os homens cometem não são justificadas pela submissão das mulheres, tampouco ocorrem devido a submissão destas, pelo contrário, a submissão delas decorre da opressão perpetrada por eles.
Temos que ter cuidado para não inverter as coisas.

IGN-UP! disse...

Geisy vai sair sair numa escola de samba aqui do Rio..um amigo me falou alegando "nós cariocas somos fodas".Sim,somos mesmo fodas...somos fodas por sermos "liberais",por aceitarmos de muito bom grado a vulgarização da mulher principalemnte quando é feita por ela própria.

No ano que vem provalvelmente irá acabar numa Playboy...e assim,vamos que vamos rumo á "liberdade da mulher".

Não me surpreendo quando li que quando uma editora estrangeira,a Softel Ltda,tentou publicar um guia de desfrute das mulheres cariocas e que o pedido de suspenção da edição feito pela Embratur(nem por grupos de muheres foi,detalhe)foi negado por um juiz brasileiro.Que tem razão afinal? Os defensores de "geisys e jaquelines" ou aqueles que não aceitam a hipocrisia de um país em que as mulheres se dizem com o direito de se reduzirem a "peito e bundas" e depois reclamam que são vistas como mercadorias???

Como o feminismo pretende combater o turismo sexual,o tráfico de mulheres,a exploração sexual da mulher na mídia se ele é conivente com a vulgarização da mulher? Que dizer que quando somos nós que nos auto-objetificamos está tudo certo?

Cada vez mais estou me decepcionando e me convencendo que o feminismo brasileiro ignora a pornocultura e só faz reforça-la.Não sei que feminismo é esse que recorre á fanatismos quando este ponto é tocado.Só faltou vir os homens "feministas" virem aqui com seus discursos recheados de palavras lindas para defender nossa "liberdade de corpo".

No gran finale,geisyes e jaquelines enchem os bolços,levam milhares de menininas acharem que consiguirão tudo na vida virando uma "mulher-fruta" e o feminismo acaba na chacota.É grandioso o das mulheres desta nação...