3 de jan. de 2011

A teologia dos Católicos contra o aborto

Opus Dei
Talvez, as mulheres, as feministas, e nós Maçãs Podres, nunca tenhamos nos perguntado “o porquê” da sociedade tolerar muito mais o abandono de uma criança do que a interrupção de uma gravidez inicial de um zigoto ou embrião. Algo contraditório? Quem sabe.
O fato é que nossa sociedade parece ter mais consideração sobre algo que ainda “nem existe (em termos existencialistas)” do que sobre a vida de mulheres e homens já vívidos de história e com relações sentimentais consolidadas.
Um exemplo é que, em 1983, a lei canônica estabeleceu que os dois únicos atos passíveis de excomunhão automática para a Igreja Católica são, o ataque violento ao corpo do Papa e o aborto. Em outras palavras, a sociedade poderá promover um holocausto ou cometer um genocídio contra uma etnia, pode estuprar uma legião de crianças recém-nascidas e matá-las, condenar seres humanos inocentes a cadeira-elétrica, porém se uma mulher interromper a gravidez de um zigoto ou embrião estará cometendo um crime/pecado muito mais grave que os demais.
Para respondermos os “motivos filosófico-teológicos” deste fato, será necessário retroceder na história que culmina na construção cultural desta sociedade em que estamos inseridas.

Questões Históricas, Teológicas e Filosóficas 
Antes e durante o Império Romano, o infanticídio era a principal solução adotada para uma gravidez indesejada pelos principais povos do mundo. Os antigos romanos passaram então a optar pelo “abandono” de um recém nascido quando o infanticídio passou a ser considerado uma prática “bárbara” dos povos germânicos.
Vários foram os interesses estruturais para o fato: o abandono permitia selecionar o sexo da criança e evitava alta mortalidade do aborto (geralmente utilizado por “mulheres solteiras, prostitutas e infiéis, desesperadas para não perderem sua posição dentro da sociedade romana”¹). Outro fator importante dentro deste contexto é a questão econômica, pois raras vezes o recém nascido era adotado, mas o abandono em propriedades privadas possibilitava transformar a criança em escrava, questão fundamental numa sociedade onde o modo de produção era escravista. 
Rodas dos excluídos
 No Brasil é comum ouvir falar do termo  “rodas dos excluídos"(ou expostos, enjeitados ou dos abandonados), porém esta prática que aqui deriva de 1734 é bem mais antiga na Europa.
Quando estimulados pelos ensinamentos cristãos, expandidos após a queda de Constantinopla, os europeus aderiram a prática do abandono em detrimento ao infanticídio. E foi que na Idade Média, a Igreja decidiu criar a “oblação”, ou seja, a possibilidade de se oferecer a criança a Deus/mosteiros. Contudo, requeria-se o pagamento de um dote, impossibilitando o procedimento aos mais pobres. Devido a demanda “anônima” e sem pagamento, nas regiões da atual Itália, a Igreja Católica criou “os hospitais de crianças rejeitadas”. Por meio de uma portinha giratória, a mulher deixava a criança e tocava uma campainha ao sair. Com o passar dos séculos, devido a demanda, tais “hospitais de rejeitados” foram assumidos pelo Estado Moderno e terminaram por “desaparecer”. Eis a institucionalização oficial definitiva dos conhecidos orfanatos “laicos”.

Teológicas
A mulher como propriedade
De um modo geral, desde o início da cristandade, a posição da Igreja é condizente com os princípios do patriarcado e contrárias a interrupção da gravidez por qualquer mulher.
Assim, legitimar o “pátrio poder” significava confirmar os valores sócio-econômicos desenvolvidos, tanto na idéia da “mulher recipiente” do filho de um homem como na instituição da famullus (direito masculino de ter o poder de vida e morte sobre escravos e de todos os moradores de sua propriedade). A comprovação desta determinação está contida tanto no Velho Testamento hebraico quanto na Didaqué (do séc.I, primeira cartilha de catecismo cristã). Clique na imagem 3.
Para a Igreja, a sexualidade possuía apenas o fim procriativo, reafirmando o valor das bênçãos do matrimônio, pois “na hierarquia das virtudes, o martírio (sofrimento expresso na crucificação), a virgindade (expressa na personificação de Maria) e o celibato (voto exigido aos clérigos) estão a frente”. Não havendo nada de bom no prazer, muito menos se for sexual.
Mas, em linhas gerais, a grande questão teológica sobre o aborto ser ou não permitido, só ocorreu dentro da igreja quando o escravismo não mais existia como principal modo de produção da Europa, na prática, isso significava entender que qualquer interrupção de gravidez não poderia ser considerada homicídio, se feito antes até 40 ou 80 dias de gestação. Ou seja, só quando a questão econômica se alterou, quando parte dos seres humanos deixaram de ser propriedade particular, a possibilidade do aborto tornou-se “aceita” na igreja.
Entre os teólogos que seguiam esta linha, a teoria da “animação ou hominização tardia” que designava o momento em que a alma adentrava ao corpo humano, estão Santo Agostinho e São Tomás de Aquino. Segundo a teoria, a alma só se unia ao corpo material 40 dias depois da concepção da gravidez, se o feto fosse menino, ou 80 dias depois, se fosse menina. Há um evidente caráter de valorização do feto masculino, fato que deriva das bases aristotélicas da teoria.

A ajuda da Ciência
A posição referente a teoria da “animação ou hominização tardia”, só foi definitivamente descartada dentro da Igreja no XIX, com o Papa Pio XI, quando estabeleceu-se que não havia nenhuma diferença entre feto não formado (com a alma em estado vegetativo) e feto formado (já com o corpo animado). A Igreja Católica só veio replicar que no zigoto já existe um ser humano em “potencial”, quando a ciência deu sua colaboração.
Em 1762, o naturalista suíço Charles Bonnet propõe uma argumentação que seria, segundo interesses dele, capaz de afirmar os valores da ciência e confirmar as teorias da Genesis bíblica: “o preformismo”. A teria propunha que qualquer organismo vivo já contém pré-formados os futuros seres a que dará origem, seja no espermatozóide que transportaria um "homunculus" (animaculismo), ou no óvulo (ovismo).
Outra vez, é importante destacar que na época de Pio XI, o modo de produção capitalista já se consolidava a cerca de um século e existia a noção de que um grande Estado Nacional só ocorria com uma grande população, pois teria mais trabalhadores e soldados.

Filosóficas e sociais

Segundo os filósofos Dombrowski e Deltete, que reviram a posição Católica sobre o aborto ao longo dos séculos, a premissa da proibição parte da idéia do controle da sexualidade (das mulheres, lógico) e atribui-se a origem desta diretriz aos estóicos que ensinavam que o homem deveria controlar as emoções pela razão. Para eles, as explicações católicas médievais seguiram a posição de que o aborto seria uma "perversão da mulher" e atualmente a posição é totalmente ontológica.
Para a Igreja, o sexo só seria moral se fosse para procriar no casamento. Mas a perspectiva tradicional durou até o Concílio Vaticano II, entre 1962 e 1965 (auge do feminismo e das teorias de libertação sexual), quando a sexualidade passou a ter também o propósito da união entre os casais do sagrado matrimônio. Ou seja, o sexo passou a ser moral dentro do casamento, desde que não houvesse qualquer empecilho a gravidez. Eis a explicação para a proibição do uso da camisinha ou qualquer método contraceptivo.
Apenas a abstinência sexual periódica é aceita pela Igreja para a mulher não engravidar, o que também não é muito recomendável pela Igreja já que a esposa tem “suas obrigações” para com o marido.
Assim, mais proibitiva que as demais religiões citadas (budismo, islamismo e judaísmo), o catolicismo só permite a interrupção da gravidez quando nos casos se precisa remover um órgão para preservar a vida da gestante (Ex: a mulher com câncer de útero terá que removê-lo durante a gravidez). Mas não são em todos os casos de risco de vida para a mulher.
Se uma mulher estiver grávida, podendo morrer no parto, por sofrer de doença cardíaca grave, mesmo que os médicos aconselhem a retirada do embrião, a Igreja Católica defende que não se interrompa a gravidez, pois se a mulher morrer quando estiver dando a luz é por que esta foi a vontade de Deus. 


Texto: Ana Clara Marques e Patrick Monteiro
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História do Aborto - Giulia Galeotti; 2007
O Drama do Aborto - Fagundes e Berzelatto; 2004
História das Sociedades - Denise, Oscar e Aquino; 2009
História da sexualidade - Foucault; 1984
Sites: Crítica revista de Filosofia e Curso de Teologia Pastoral

(OBS:
1-Como não somos especialistas no temas religião, mas estudiosas sobre as relações e consequências destas para as relações de gênero, neste estudo que se seguirá na próxima duas postagem, qualquer equívoco poderá ser retificado com os comentários dos leitores;
2- O principal parâmetro para a publicação deste estudo foi abordar as principais religiões capazes de influenciar no lobby internacional anti-direito das mulheres. Por tais motivos, várias religiões de importância no Brasil não serão analisadas (como por exemplo, as de matriz africana e indígenas). Esta também é o objeto fundamental do livro "O Drama do Aborto", que nos serviu de base;
3-Nas publicações iniciais daremos mais descrições sobre como cada religião encara a questão do aborto do que necessariamente, nós MAÇÃS PODRES, vamos expor nossas opiniões, que ficaram basicamente para a conclusão)

7 comentários:

Nana Odara disse...

bom, eu queria saber duas coisas:

1- se os homens-pais das crianças abortadas são condenados ou se são só as mães?

2- se as mães solteiras são invisiveis dentro do movimento feminista? e, se não são, o q existe em relação a essas famílias formadas por mães solteiras dentro do movimento feminista?

pq o aborto seria legalizado como uma opção, não uma obrigação... daí as mães q engravidam e não tem a presença do pai (por rejeição, abandono, separação e morte, dentre outros motivos...) nem tampouco optam pelo aborto, são amparadas no feminismo de alguma forma?

Grata

Anônimo disse...

O feminismo não discrimina ninguém.

Lutamos pelos direitos reprodutivos das mulheres, para que elas possam optar ou não pela maternidade e a despenalização do aborto é uma destas questões, onde a maternidade não é uma imposição mas uma opção. Se a mulher por razões que só a ela diz respeito resolve interromper uma gravidez, tem que ter acesso a um tratamento digno. Da mesma maneira que reivindicamos total assistência para aquelas que estão grávidas.

O feminismo luta pela melhoria no atendimento das grávidas, pelo parto humanizado e por creches, não só para mães com companheiros mas também para as solteiras.

Arttemia Arktos

GRIF Maçãs Podres - Anonymous disse...

Oi Nana,
Antes das respostas, começaremos pelo comentário.
Defendemos que é necessária a destruição dos papéis de gênero que sobrecarregam as mulheres em trabalhos não transformadores (domésticos). Isso demanda a equidade das tarefas domésticas, e seus afins, entre as mulheres e os homens; Nós acreditamos que a ausência da figura paterna /patriarcal pode facilitar que um menino venha a receber uma educação mais próxima do feminismo, está é uma experiência que temos aqui no grupo, como vc poderá ler neste texto. http://nucleogenerosb.blogspot.com/2009/08/maternidade-paternidade-e-feminismo.html
A figura paterna, assim como a materna é uma invenção. Vivemos intensamente esta falsa necessidade da figura do pai ou da mãe para que a criança seja “completa e feliz”. O que necessitamos é de cuidador@s (mulheres ou homens) que enxerguem a criança enquanto um sujeito pleno. Assim como diz Shulamith Firestone, o feminismo revolucionário exige não só a libertação das mulheres como também das crianças, livrando-as da figura paterna e materna que são representações da autoridade patriarcal. É necessário que nós mulheres venhamos a pensar em nos libertarmos do “pequeno poder de sermos mães”, do modo que o patriarcado nos delegou ao longo de tempo, como nosso grande valor social. O raciocínio é simples, “LIBERTE AS CRIANÇAS, QUE SERÁS TAMBÉM”.

GRIF Maçãs Podres - Anonymous disse...

Continuando.
1. Sabemos que existem casos de mulheres condenadas pela interrupção da gravidez. Um exemplo foi no Mato Grosso do Sul que cerca de 10 mil mulheres tiveram suas fichas médicas violadas e outras duas mil ficaram sob ameaça de indiciamento. Ao final, três auxiliares de enfermagem e uma psicóloga foram levadas a júri popular e condenadas.
As auxiliares de enfermagem, Maria Nelma de Souza e Libertina de Jesus Centurion tiveram penas de 4 anos e 1 ano, e três meses, mas as penas posteriormente foram reduzidas para um ano, e seis meses e para dez meses, em regime aberto, respectivamente. A auxiliar de enfermagem Rosângela de Almeida, culpada por cinco abortos, recebeu 7 anos em regime semi aberto, reduzidos para dois anos em regime aberto e a psicóloga Simone Cantagessi de Souza, encarregada pelo atendimento das gestantes que estavam em dúvida sobre a solução radical contra a gestação, teve a pena reduzida de 6 anos e seis meses para dois anos, em regime aberto. Junto com outras 1.500 mulheres que supostamente interromperam sua gravidez. Todas prestam trabalhos comunitários.
Nenhum homem foi condenado.
2. Não existe feminismo que invisibilize as mães, assim como não pode existir feminismo que não acolha as mães solteiras. Assim como as mulheres que abortam, as mães solteiras são estigmatizadas na sociedade. Dentro do movimento feminista é necessário que existam redes de acolhimento. Estas redes foram formadas e consolidadas em algumas partes do mundo, um exemplo foi a França que organizou uma ampla rede de defesa de direitos destas mulheres. Aqui, existe redes muito pequenas e invisíveis espalhadas por milhares de becos, redes informais organizada por poucas mulheres que se apoiam autonomamente. Nós já fizemos acolhimento de mulheres nestas condições.
Um outro exemplo, é que quando ainda éramos exclusivamente um grupo de estudo, elaborávamos uma metodologia que possibilitasse as colegas que eram mães de trazerem seus filhos e cuidávamos deles, em regime de revezamento ou, mais comumente, de modo coletivo. Também tivemos participantes gestantes, sem problemas. Infelizmente, todas saíram, junto com as que não eram mães, devido as atribuições que a maternidade/feminilidade trazem. As que eram mães não possuíam tempo e as demais não tinham estrutura para conciliar e elaborar as demandas que os estudos começaram a exigir.
Assim, não podemos falar por todos os grupos do movimento feministas, mas não abrimos mão de falar pela teoria feminista revolucionária, ou seja, todas as mulheres são mulheres, mesmo que muitas sejam também mães e, segundo Beauvoir, a luta feminista não pode se colocar contra as mães, sejam solteiras, viúvas ou casadas, mas contra a ideologia da maternidade compulsória que é a base da ideologia patriarcal. Logo, qualquer posicionamento contra as mães é uma prática antifeminista, da qual, como feministas convictas, somos absolutamente contrárias.

Saudações feminista

Nana Odara disse...

Bom, estou pesquisando sobre o tema e tbm começando a formar uma associação brasileira de apoio às mães solteiras e familias uniparentais...
se vcs puderem me indicar mais referencias sobre o assunto, eu agradeço... bibliografias, sites, ou qqr coisa...

Bjins

GRIF Maçãs Podres - Anonymous disse...

Nana,
No momento podemos te indicar um livro em especial que não trata deste temas especifico mas que relaciona o papel de cuidadores com a necessidade feminista de também libertar as crianças: Dialética do sexo, de Shulamith Firistone.
Qualquer coisa com maior especificidade postaremos aqui depois.
Saudações feministas!

Nana Odara disse...

ok... estou blogando as informações e respostas... quero ir mais fundo nisso...
Bjins