1 de ago. de 2011

Teatro Feminista na Veia!

Carne - Patriarcado e Capitalismo 

+ informações sobre a peça

Não somos críticas de teatro, não dominamos a linguagem, nem temos este interesse e antecipamos que nossa opinião é obviamente parcial, não só pela temática, mas também pelo modo que a peça foi/é construída, apresentada e por seu objetivo político, o que não atenua a potencialidade do que assistimos e as reações que observamos. Assim, diferente do que parece ser o “Stand Up”, definido como “a morte do que há de revolucionário no teatro” por Asdrúbal Serrano, a peça “Carne – Patriarcado e Capitalismo” é um soco no estômago masculino que gesta “o útero da maternidade intensiva”.
Se o principal objetivo da peça era mostrar os dispositivos de opressão com os quais o gênero masculino domina e desune as mulheres, algo tão presente nas nossas vidas que fica difícil de explicar ou identificar, dada a sua naturalização, podemos dizer que ele foi alcançado, pois boa parte destes dispositivos foi escancarada na apresentação, gerando reações indigestas das pessoas que assistiam. Os corpos do público se mexiam nas cadeiras, como se tivessem apertados e prontos para urinar. As reações físicas pareciam demonstrar uma dificuldade intensa em aceitar o que se observava ali, era a negação física da imagem, uma necessidade não-racionalizada de extravasar sentimentos e comportamentos represados que conhecemos intimamente, mas que, normalmente, não damos conta de racionalizar. O espelho da verdade foi posto em nosso rosto. E ele não mostrava a vaidade do mito da beleza ou da feminilidade, mas a angústia de ver o quê a sociedade patriarcal burguesa faz com nossas vidas, eis o grande ponto.

Fernanda Azevedo e Mônica Rodrigues

O acertado uso de dados estatísticos, de histórias reais, da luta de classe, da filosofia, das carochinhas mídiáticas, das músicas, da fotografia, do cinema, de passagens guerra e de vivências militantes estão presente em cada pedaço da peça e trazem para o palco (social) fragmentos invisibilizado da vida feminina. As correntes invisíveis ou Grades de Flores que de tanto falamos em nossos textos foram personificadas pelas atrizes, das roupas aos sapatos de salto, das saias as echarpes, do batom aos utensílios domésticos e adereços que, com o tempo, vão ganhando formas diferentes, se afrouxam e se comprimem, mostrando como tais “correntes” nos prendem e incapacitam enquanto seres humanos.
de cara com a arte se movendo
e movimentando o mundo
Assim, cada palavra dita na peça parece ser fruto de anos de estudo, cada movimento de luz e sombra parece ser meticulosamente planejado, na mistura das mais diferentes linguagens, como o Rap e o jornalismo. Fizeram sim da arte um instrumento de denúncia contra a prisão dos trabalhos domésticos, o racismo, a violência de gênero e a maternidade, enquanto dispositivos de poder, entretanto sem perder sua potencialidade transformadora, tanto que a densidade dramática dos fatos ganhou traços hilários, sem atenuar a realidade de seu drama. Se risos nervosos reagiam aos acontecimentos apresentados, com a mesma indigestão de quem se vê preso num “belo” espelho quebrado, sem ter como fugir, temos que parabenizá-las por isso, pois o riso não-contido era o resumo do silêncio que a peça flagra. Numa cena em particular, o silêncio do público contrastava com um som irritante, impossível de dialogar, um gemido que só as mães sabem reconhecer como um eco atordoado, um som capaz de se repetir infinitamente e potencializar a impotência imposta socialmente as mulheres, escravizando nosso destino, e só o riso solto, extravasado, conseguia proporcionar um momento de liberdade coletiva e individual. 
O espelho da verdade
 foi posto em nosso rosto.
Destacamos a emocionante cena final, linda e simples como um bom poema, que emociona por trazer a peça para a realidade mais próxima e palpável das “mulheres comuns”, que vivem e amam, das feministas que não são “entidades extraterrenas”, mas mulheres que podem estar na sua frente ou sentadas ao seu lado, e que lutam para superar toda e qualquer construção social a que foram submetidas, libertando a si mesmas (e por conseqüência também a alguns homens). Por isso, nós nos emocionamos em ver o feminismo em forma de arte, dança e movimento. Ver que todas e todos ali estavam sendo tocadas com força e afago pelo feminismo. Se a arte muda, de alguma forma, as coisas de lugar, então demos de cara com a arte se movendo e movimentando o mundo, mesmo que fosse naquele pequeno espaço e tempo. Foi um daqueles momentos em que militantes e pessoas sensíveis se encontram e dão sentido para as ações e posicionamentos de vida e luta. Uma sutil sensação de alívio que se traduz por um suspiro e frase: “- Ufa, ainda bem que não estamos sós!”.

Viva o movimento (artístico) feminista.
GRIF Maçãs Podres


Um comentário:

Marilia Ortiz disse...

De fato, ao lado de carnes e de maçãs sinto-me menos isolada. E isso conforta e faz seguir em frente. Foi muito bom contar com a ajuda de ambos coletivos feministas na jornada de conscientizaAÇÃO de outras jovens mulheres, que hoje podem gritar "sou feminista" desvendando o quanto isso é libertador. Tão mais libertador quanto mais plural, reconhecendo que a gente só consegue romper o isolamento e ser fortes quando há um reconhecimento mútuo de que "eu" e a "outra/o" (co)existimos com os mesmos pesos, angústias e incertezas. Isso dá força, mais ainda quando assumimos juntas/os: SOMOS FEMINISTAS!!! Sim, NÓS existimos pela vontade de ter lugar e voz! Grande abraço, Marilia.